Renasce um fantasma
Vicente M. |Imagem principal:

Crédito(s): http://wilco.kungfustore.com/
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Tenho escutado muito Wilco nos últimos meses, portanto, podem pintar aí alguns posts sobre material do qual tirei atrasos, como os últimos dois discos e alguns DVDs que assisti. No caso desse post, é apenas uma reflexão sobre como mudei minha percepção sobre esse disco à medida que o escutei com mais frequência.
A Ghost Is Born foi uma revelação. Quando saiu, carregou o fardo de duzentas toneladas que foi dar sequência a Yankee Hotel Foxtrot, talvez o melhor disco da década. E na largada, percebeu-se um Wilco mais voltado às origens do que ao experimentalismo latente do álbum antecessor. Ou melhor, um disco baseado em canções convencionais, apenas pincelado com ruídos oportunos, fazendo média com a nova parcela de fãs oriunda do mundo Pitchfork. Nada como incrementar o escopo de faturamento.
Mas essa visão amarga do disco caiu por terra quando se escutou Sky Blue Sky, esse sim um disco simples e direto, que deixou evidente o conteudo ácido e desiludido de A Ghost Is Born. O fato é que Yankee Hotel Foxtrot beneficiou-se de uma sequência incomum de acontecimentos, plenamente abordados no DVD I Am Trying To Break Your Heart, que refletiram em cheio no conteúdo da obra. A tensão das gravações, a indecisão quanto à mixagem, a presença tardia de Jim O'Rourke e o racha com a Reprise são elementos inexistentes no disco seguinte, quando a banda viu-se no centro das atenções tendo de lidar apenas com a resposta artística à sua obra-prima. Tem-se então um Wilco mais focado e equilibrado, capaz de conciliar canções bem estruturadas com quaisquer experimentações que se atravessassem pelo caminho.
Em um primeiro momento, a obra transmite um ar de conciliação, de que a banda reconheceu o feito anterior e decidiu conviver com a impossibilidade de repetí-lo. Faixas como a pura Muzzle Of Bees e The Late Greats são de evidente simplicidade, reforçando a tônica defensiva que as primeiras audições erroneamente induzem. Mas a acidez que repousa em A Ghost Is Born é frequentemente provocada no decorrer do álbum, evidenciando-se à medida que se conhece-o melhor. A (aparentemente) inofensiva At Least That's What You Said inicia como qualquer canção de amor desiludido ("When I sat down on the bed next to you / You started to cry "), mas Tweedy consegue ser gênio o suficiente para transferir o amargor da letra para o arranjo, quando despeja toneladas de distorção e a conclui em um universo totalmente diferente de onde começou. O mesmo ocorre com Handshake Drugs, que tematiza sobre drogas e o desencontro amoroso embalado por uma sonoridade upbeat, terminando novamente numa nuvem de ruídos.
Quando o Wilco não brinca com essas possibilidades de confrontar os arranjos com a temática, ele permeia as canções de ironia. O krautrock Spiders (Kidsmoke) faz alusão à sociedade moderna no melhor estilo Thom Yorke, Company In My Back usa uma palavrinha que no passado renderia um "Parental Advisory" ao lado do ovo na capa, Theologians mira em cheio no comercialismo das religiões e I'm A Wheel é puro non-sense desafiando o senso de humor do ouvinte. Em A Ghost Is Born, a ironia e a suavidade andam de mãos dadas e assim o álbum funciona.
Às vezes é ótimo retornar a um disco a partir de um outro foco. Ainda mais quando se trata de uma banda capaz de esconder conceitos e idéias em suas músicas, possibilitando diferentes audições com o passar do tempo. Há quem sinta falta de um pouco desse exercício nos discos seguintes do Wilco, que mostraram-se propositalmente avessos a essa forma de compôr. Mas algo me diz que é passageiro, e que Tweedy & cia. estão longe de se acomodar no suposto dad rock que algumas críticas lhes atribuíram.
Comentários:
Lembro da gente conversando sobre esse disco pouco antes do show do Wilco no RJ, eu e o Ale já o amávamos desde então, e tu tinha ficado meio decepcionado, realmente. Ouço o A Ghost Is Born bastante frequentemente ainda hoje, acho fantástico!
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