2011
Vicente M. |Imagem principal:

Crédito(s): self-made
Texto:
Alguém aí teve muito tempo? Alguém se importou? Quem comprou vinil? Eu continuo comprando, mas sinceramente não curto discos coloridos. Only black is real. Por que hypar um dos poucos produtos que reacende a chama do interesse em se ouvir música de forma genuína, hein?
SUN DEVOURED EARTH: Day After Day, Year After Year(Handmade Birds)
Projeto homemade de um norte-europeu, imerso em Jesu e shoegazing. O que se destaca aqui é a verissimilitude com o que tudo acontece, prendendo o ouvinte numa atmosfera gélida e sombria, sem que o músico demonstre muito esforço para contextualizar a proposta de seu trabalho, nem em interligá-la com o que provavelmente seja sua personalidade. Muita textura, desolação e peso.
SUTEKH HEXEN: Luciform (Wands)
As inúmeras vertentes do metal encontraram alguns pontos de concentração em 2011, dentre elas o black metal. Talvez pela facilidade de reproduzir em gravações caseiras o gênero nórdico, muitos músicos partiram para a área em questão, tendo a grande maioria apostado na alusão às influências, o que aglutinou muito joio e pouco trigo. Apesar disso, alguns usaram o estilo como base para desenvolver suas próprias idéias (Servile Sect, Krallice), projetando sons muito mais interessantes e superando a barreira da mera emulação de um estilo por vezes repetitivo. Deles, o Sutekh Hexen responde pela ala que misturou o noise com o black metal, criando verdadeiros petardos sonoros no decorrer de alguns EPs e deste álbum de estreia. Sob uma base devastadora de black metal, a banda aplica um sem-número de distorções, vocais urrados e efeitos eletrônicos que une o mundo de um Merzbow com o do Mayhem.
DREAMLESS: All This Sorrow, All These Knives (Handmade Birds)
Outra banda nova, que flerta com sludge, Godflesh, Jesu e Helmet. O disco já inicia sufocando o ouvinte com sérias camadas de distorção e peso e lá pela metade da primeira faixa te mostra que a sisudez vai sim colidir com a melodia e forçá-la a coexistir dentro de um mesmo espectro. E é justamente isso que move o mundo desde que Loveless chegou às lojas em 1991: a combinação entre barulho bruto e desilusão. Mas o Dreamless não se encaixa exatamente no perfil do shoegazing clássico, pois sua vocação aponta muito mais para o metal do que para o indie. O negócio aqui é empilhar guitarras e microfonias sem deixar muito espaço para manifestações que não sejam as de desencanto total. Para os que ainda não resistem a uma boa maçaroca de guitarras.
EARTH: Angels Of Darkness, Demons Of Light (Southern Lord)
Confesso que após The Bees Made Honey In The Lion's Skull, temi pela possibilidade de Dylan Carlson sucumbir à redundância após uma série de discos que giravam em torno de uma única proposta. O passo seguinte deveria, pela lógica, romper com o formato ou reinventá-lo completamente, sob pena de comprometer o interesse em torno da banda. Mas Carlson conseguiu revitalizar suas idéias sem necessariamente derrubar o que havia construído. Os órgãos gospel deram lugar a violinos lamentosos, as texturas aprimoraram-se significativamente e o panorama ensolarado fechou-se para o de um salão empoeirado e umedecido. O andamento por sua vez é desprendido, sem a tensão estática (Hex) ou as voltas em torno de um centro (Bees). É, de longe, o disco mais dinâmico do Earth e tal proposta não só nutriu a essência do quarteto, como contribuiu com o que pode ser o melhor trabalho de Dylan. Como fui ingênuo ao duvidar de um mestre...
KRALLICE: Diotima (Gilead Media)
Uma das poucas bandas que daria certo no papel e confirmou quando trazida à realidade. Escutando Mick Barr em seu trabalho solo ou no Orthrelm, dava para cogitar seus habilidosos dedilhados a serviço de uma banda de black metal. Quer dizer, não havia motivos para não fazê-lo. Diotima é o trabalho menos entusiasmante da discografia do Krallice, mas ainda assim é difícil deixar o disco rodando sem que aos poucos se reaja às caixas de som, seja balançando a perna, seja aumentando o volume. Num mundo repleto de músicas e bandas exaurindo-se para gravar algo que perfure a indiferença do ouvinte atual, o Krallice estimula sua necessidade de quebrar algo (ou alguém) naturalmente. A minha ao menos reagiu.
MARCELO CAMELO: Toque Dela (BMG / Zé Pereira)
Até o mais bruto dos metaleiros tem um Calcanhar de Aquiles. O meu é o talento desse carioca. Alheio à polarização ódio / messianismo a ele atrelada, reconheço sua capacidade única de combinar diferentes conceitos musicais e externá-los sem permitir intromissões de público e crítica. Lia-se numa época, em seu MySpace, a designação "freestyle" para seu som, justamente o que Camelo vem fazendo desde que a banda que o destacou pediu água. Não vejo outra proposta tão saudável para a música nacional e se Toque Dela não é perfeito (é quase, hein?), ele não só transcende o trabalho de estreia como solidifica o papel de seu autor no contexto da música brasileira atual. Do clima de veneração à sua musa aos arranjos criativos que sempre lhe foram característicos, Camelo atravessa tudo e sai por tangentes, genial ao contar com a melhor banda do Brasil lhe apoiando, o Hurtmold.
PRETERITE: Pillar Of Winds (Handmade Birds)
Projeto da vocalista do Menace Ruine, Genevieve Beaulieu. Se sua banda principal não teve lançamentos em 2011 (embora o imperdível Union Of Irreconcilables tenha ganhado versão em vinil pela Aurora Borealis), a vocalista não deixou na mão os interessados em sonoridades pagãs e ocultas. A abordagem musical de Preterite não diverge muito da que o Menace Ruine produz: vocais que remetem à era medieval, atmosfera sinistra, alusão à bruxaria. Mas enquanto o Menace Ruine enterra tudo em camadas substanciosas de noise e texturas, o Preterite deixa a voz de Genevieve em primeiro plano, limpa e pura, acompanhada por órgãos, pianos e distorções incidentais. É como a versão diurna para os rituais satânicos que o Menace Ruine embala nas madrugadas.
SUNN O))): Agharhi 09-10 (Southern Lord)
Discos ao vivo podem limitar-se ao registro da ocasionalidade de uma performance durante uma longa turnê e isso costuma ocorrer com muita frequência, o que os fatalmente insere na sub-discografia de uma banda. O Sunn O))) é uma exceção uma vez que suas apresentações costumam marcar o histórico de quem já o viu em ação, seja pela celebração messiânica de seus concertos ou pelo volume ofensivo ao que submete a audiência. Não bastassem tais atributos, esse registro marca também a oportunidade de se conhecer a tradução do elaborado e intrincado Monoliths&Dimensions para os palcos. Diante da impossibilidade de agregar a musicalidade de câmara e os múltiplos instrumentos que embasaram o disco, Anderson e O'Malley respondem com brutalidade, confiando nos teclados de Steve Moore e na infalível performance vocal de Attila Csihar. O resultado põe abaixo as alegorias sonoras, apoderando-se do cerne das faixas, remodelando-as com severas camadas de distorção e peso. Se Hunting & Gathering já era um primor de volume no álbum, ao vivo transforma-se num tanque de guerra inabalável e mesmo as elaboradas Big Church e Aghartha conseguem ser sintetizadas por Csihar através de alusões à transcendentalidade da música oriental.
MOON TIDES: As Loud As The Sun (Sweat Lodge Guru)
Embora à revelia do mundo indie, o contato ocasional em 2011 com as tendências me passou a imagem da manutenção do resgate dos anos 80 e seus ícones. Onipresente, o sintetizador (ou o programa que o emula) embalou muitos álbuns e aqui em As Loud As The Sun não há pudores em seu uso, porém de forma comedida e eficaz. A dupla do Colorado revisita a surf music, ornamentando o som das praias com guitarras, vocais e efeitos aparentados com o shoegazing. Mais ou menos como passar um disco dos Beach Boys pelas mãos do Kevin Shields sem esquecer dum toque de new-wave.
(Relançamentos)
2011 foi o ano onde os relançamentos mostraram-se vitais para a sobrevida da indústria convencional. Como não se tem mais poder sobre o conteúdo sonoro, aposta-se nas embalagens e no apelo que elas ainda causam nas gerações pré anos 00, aquelas que ainda tiveram o prazer de entrar numa loja de discos. Vou me furtar de comentar o relançamento de Nevermind pois não foi em 2011 que tive coragem de colocar US$ 154,55 em risco nos Correios. Entretanto, tive ótimas experiências com The SMiLE Sessions dos Beach Boys e com Gish e Siamese Dream dos Smashing Pumpkins. O primeiro, o resgate histórico de um dos não-discos mais esperados de todos os tempos, em embalagem primorosa e conteúdo meticulosamente selecionado. O segundo, a primeira etapa de uma promissora celebração do catálogo dos Pumpkins, em lindas caixinhas com material complementar, faixas bônus, DVD e remasterização correta dos seus dois primeiros álbuns. Ainda comprei o clássico ØØ Void do Sunn O))) em vinil, uma justiça da Southern Lord a esse belo registro que reacende as expectativas em torno da "vinilização" de Flight Of The Behemoth. Ainda houve verba para comprar a boxset do Burning Witch, cultuada banda de doom que teve seu catálogo revisitado em quatro vinis e um DVD, sustentados por uma embalagem primorosa. Bom ver a indústria cobrando caro mas entregando produtos de qualidade, frutos de pesquisa, seleção e ótima consolidação.
(Vinil)
O formato que ressurgiu e consolidou-se, ao menos em minha coleção. Mais caro, porém mais substancioso e prazeiroso. Em 2010 eu ainda tinha a dúvida se comprava em CD ou vinil, fazia uma aritmética de valores pessoais. Nesse ano, entretanto, praticamente me voltei para o formato maior. Se bem praticado, propõe uma forma diferenciada de se apreciar a música, por mais que soe insignificante perante a renovação imposta aos hábitos musicais dos últimos anos. Se não renova nada (não há nada de novo no formato, pelo contrário), ao menos reapresenta as qualidades de se ouvir música "física". Isso vai além de matérias no jornal Hoje e quem compra e sustenta o hábito / vício, sabe que esse nicho compensa cada centavo.
(Wilco)
Não sei, vou escrever uma resenha, talvez. Mas não foi dessa vez que Jeff Tweedy recuperou sua forma, embora tenha apresentado ideias melhores do que as dos dois últimos discos. Significativamente melhores. Mas o Wilco me passa uma sensação que teve um pico em Yankee Hotel Foxtrot / A Ghost Is Born quando registrou uma crise de identidade que não correspondia com o verdadeiro espírito da banda. Ouvindo sua discografia até Summerteeth, é nítido que eles ficam mais confortáveis com os formatos country convencionais, ao ponto de, se tirarmos os dois discos supracitados, o Wilco não passa de uma boa banda de rock de tiozão. Pensando bem, talvez eu não escreva a tal resenha.
Comentários:
A descrição pro Krallice ficou ótima! Não obstante repetidas indicações, não ouvi esse som ainda. Vou procurar;
Não sou fã do Los Hermanos -- prefiro os originais Cartola e Nelson Cavaquinho [risos] -- e nem nunca ouvi nada solo de seus integrantes, mas volta e meio sou lembrado que tem esse cara cujos discos tem o Hurtmold como banda, e faço uma anotação mental para ouvir, pois amo o Hurtmold. Mas depois acabo esquecendo [risos]. Vou ver se agora eu conserto isso;
Cara, o disco do Earth cresceu absurdamente aqui nas últimas audições. No meu comentário sobre meus discos preferidos do ano, eu deveria até ter dado o título de "merecedor pleno de constar na lista" também ao Earth, alem do Wilco... Ah, e sobre o Wilco, cara, achei um disco ótimo mesmo. Tem aquela coisa de ter visto o show, o que sempre estabelece um vínculo pessoal maior com as músicas e tal, mas eu já vinha gostando bastante mesmo antes do show. Mas, sem dúvida, as obras-primas Yankee Hotel Foxtrot e A Ghost Is Born continuam inigualáveis. O que talvez devesse nos deixar felizes, pois deve significar que as enxaquecas do Jeff Tweedy já não são tão fortes.
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