Um selo para acompanhar (a.k.a. GASTAR)
Vicente M. |Imagem principal:

Crédito(s): handmadebirds.com
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Eventualmente nos deparamos com selos que superam o conceito de apenas oportunizar um caminho para artistas distribuírem seus trabalhos e respondem por centralizar uma gama diferenciada de discos relevantes e inovadores. Tal vocação pode mostrar-se tão transcendental que alguns transformaram-se em verdadeiras legendas, abstraindo o foco no artista, convergindo uma base de fãs capaz de investir cegamente em seus produtos, pura e simplesmente baseados na confiança em seus curadores.
Selos como a Creation, Sub Pop e Touch & Go são exemplos da década de 90 enquanto mais recentemente Merge, Southern Lord, Hydrahead e Touch seriam, entre tantos outros, cartões de visita que sugerem algum padrão de qualidade diferenciado no que está se oferecendo. Com a segmentação extrema dos selos e o volume incrível de artistas e registros sonoros da última década, os independentes dividiram sua incumbência de produzir e distribuir registros com a tarefa de agir como curadoria de propostas artísticas, o que notabilizou em pequena escala gente como Taiga, eMego e o já defunto aRCHIVE.
De 2011 para cá, um selo vem se destacando na habilidade de identificar discos e artistas diferenciados, com um incrível índice de acertos. Criado e mantido por R.Loren (o cara que responde pelo projeto de drone/noise Pyramids), o Handmade Birds colocou uma gama incrível de sons inovadores e interessantes, fruto do bom-senso apurado de seu condutor. R.Loren consegue identificar e convergir para seu projeto uma gama heterogênea de artistas, transitando entre gêneros teoricamente desvinculados, mas que fazem todo o sentido quando agrupados sob os domínios da <Handmade Birds. Noise, shoegaze, black metal, folk, drone convivem harmonicamente no catálogo e, ao contrário de tantos selos que colocam material na rua por necessidade de faturamento ou obrigações de atender contratos com bandas, o que prevalece aqui é unica e exclusivamente a necessidade de liberar um grande disco para o mundo, sublimando a importância dos artistas e gêneros, focando num conteúdo capaz de derrubar o ouvinte. A vocação de R.Loren mostrou-se acertada até o momento: muitos de seus lançamentos já esgotaram e alguns deles zeraram antes mesmo da data oficial, via pre-orders. Outro dado significativo é que o selo vende quase que exclusivamente via web, sem contar com uma grande distribuição, lojas de discos ou banquinha de artistas. No momento, é certo e definitivo: atenção total no mailing do cara e dedos a postos para clicar no buy now*. Do contrário, são grandes as chances do ouvinte ficar sem sua edição limitada.
É difícil pinçar destaques num catálogo tão rico, mas os seguintes definitivamente diferenciaram-se (ou se diferenciarão) em minha coleção de discos:
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SUTEKH HEXEN: Larvae LP A versão colorida do LP esgotou em preorder em menos de 24 horas. Ainda existem exemplares em vinil preto até o momento desse post. Esse disco promete ser um dos belos lançamentos de 2012: um expoente do noise metálico lançado por um dos melhores selos da atualidade. Comprei sem nem procurar samples.
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S/V\R: Célébration Noire CS Projeto de 1/2 do Menace Ruine. Um mix de metal, synth e noise. Em alguns momentos lembra aqueles technos oitentistas, porém totalmente deturpados.
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PRETERITE: Pillar Of Winds CD A outra metade do Menace Ruine focada no lado pagão da dupla, dando um tempo para a parafernália digital, derramando os cânticos e ritos medievais sobre pianos e sons mais orgânicos.
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DREAMLESS: All This Sorrow, All These Knives CD Já abordado no meu best-of de 2011, um encontro do Helmet com o Godflesh. Muitas guitarras empilhadas e conceitos de shoegazing aliados ao metal.
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DEMIAN JOHNSTON: If They Even Find Me CS Talentoso músico e artista gráfico, Johnston já tem carreira contribuindo com capas e posteres de gente do calibre de KTL, Sunn O))) e Wolves In The Throne Room. Seu trabalho musical dispara-se para diversas frentes mas aqui seu foco é no ambient, ornamentado com passagens do mais puro noise digital.
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CROOKED NECKS: Alright Is Exactly What It Isn't e Something Must Break LPs Banda difícil de descrever, mas acho que algo como um vocalista de black metal torturando-se sobre bases do Joy Division dão uma pista. Realmente sui-generis.
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SUN DEVOURED EARTH: Day After Day, Year After Year, When Will It End 4xCD Outro citado mais de uma vez em meus posts anteriores. Lembra Jesu, mas mais sincero, amargurado e soterrado sob toneladas de neve.
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GATES: They Hide In The Shadows CD-R Doom-Drone que lembra muito Sunn O))), às vezes no limiar entre a cópia e o tributo. Mas é muito bem feito, intenções genuínas e a coisa funciona. Clima pesadão e obscuro.
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CIRCLE OF OUROBORUS: Eleven Fingers LP Um grande disco. A banda finlandesa não tem nada de nova mas esse é o grande destaque da relativamente extensa discografia dela. Seu fio condutor é aquela desolação tão recorrente em discos de black metal, mas a instrumentação calcada em bateria e teclados subverte tudo, anulando conexões diretas com gêneros. É um disco incrivelmente obscuro sem necessariamente ser pesado, uma ode ao desencanto. Saiu na Pitchfork com cheiro de incenso, aí o que restava das 500 cópias prensadas sumiu.
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TENHORNEDBEAST: Ten Horned Moses Descended The Mountain 3xCD-R Se não tivesse esgotado ainda na pre-order, uma das 150 cópias dessa maravilha do drone estaria aqui em casa.
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BLUT AUS NORT: Mort LP O selo teve a manha de relançar um dos capítulos de black metal dos franceses e o público teve a manha de esgotá-lo rapidamente.
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SERVILE SECT: "Trvth" LP Notórios pelas experimentações com sci-fi, noise e psicodelia, o Servile Sect já havia conquistado espaço no selo de Thurston Moore, reforçando sua qualidade com esse aval de R.Loren. Sonoridades inquietas, livres de conceitos e barreiras.
http://www.handmadebirds.com/
http://handmadebirds.tumblr.com/
Comentários:
O curioso é que o disco da banda dele, o Pyramids, saiu pela Hydra Head. Aliás, ouvi e não gostei muito não, mas deu vontade de comprar só por causa da linda capa...
É, curioso o fato dele conseguir separar as vocações de músico das tarefas de curadoria. Dá mais legitimidade à ideia de que o selo existe para colocar na rua os trabalhos nos quais ele acredita do que para sustentar seu projeto musical.
Acho o Pyramids interessante, acho que pode até crescer no futuro.
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