2012
Vicente M. |Imagem principal:

Crédito(s): (o próprio autor)
Texto:
Old Man Gloom: "No" (Hydrahead) No é provavelmente o disco mais agressivo de 2012. Agressivo no sentido de resgatar um pouco da fúria que se sentia quando se escutava metal na adolescência, sentimento que a essa altura já não é mais instigado por qualquer artista ou disco, nem por uma capa gore. Aaaron Turner e seus parceiros anabolizaram o som dos discos anteriores com mais peso, mais volume e mais graves. É a epítome do que o Old Man Gloom já produziu, oferecendo muito peso nos momentos de tensão e maior objetividade nas passagens ambient. A banda nunca se levou a sério e deixa implícito que essa prerrogativa contribui para que se tire o melhor dela. Mesmo assim, No extrapola o que se conhecia deles até então, fazendo com que esse álbum descompromissado ficasse à frente de trabalhos "sérios" de muita gente grande.
Horseback: "Half Blood" (Relapse) Jenks Miller solidificou uma trajetória respeitável sob a alcunha Horseback. Desde The Invisible Mountain ele vem confirmando a habilidade de sobressair-se sobre a média dos artistas que apoderam-se de diversos estilos e influências, cruzando-as com peso e metal. Half Blood soa mais conciso, encorpado, onde percebe-se um distanciamento da natureza individualista do projeto para um desenvolvimento do Horseback como banda. Tal iniciativa concedeu ares de acessibilidade ao disco embora não se perceba perda de vínculo com fatores comuns à banda como os vocais ríspidos e os elementos de noise e ambiência. O álbum, portanto, acomoda-se bem entre a experimentação e palatabilidade, mostrando-se relevante em meio a tantas inciativas do metal moderno.
Trepaneringsritualen: "Deathward, To The Womb" (Merz Tapes / Black Horizons / Release The Bats) Projeto do sueco Thomas Ekelund, responsável pelo jovem e proeminente selo Beläten e com um currículo extenso sob a alcunha Dead Letters Spell Out Dead Words. A proposta de Thomas aqui é de usar sua experiência com noise e eletrônica a serviço de sons ritualísticos (como o nome do projeto insinua), requerendo espaço no panteão dos melhores nomes da música ambiente obscura. Apesar de forjar todo seu arsenal a partir de manipulações eletrônicas, Thomas consegue construir as massas sonoras como obras táteis e orgânicas, chegando numa aura obscura, pesada e cinzenta. Seus vocais giram em torno de passagens que remetem a discursos políticos, filmes de horror ou mantras religiosos, sempre imersos em manipulações sonoras que entrelaçam-se com camadas vigorosas de distorção, ruídos e efeitos sonoros. Provavelmente o melhor registro de noise e ambient de 2012.
The Smashing Pumpkins: "Oceania" (Martha's Music) Após (alg)uma(s) dezena(s) de audições de Oceania, percebi que o porquê de, embora Billy Corgan não tivesse desistido de mim, eu quase havia desistido dele. Oceania é um pedido de trégua, um convite à geração dos fãs trintões para que vislumbrassem uma forma de encarar a maturidade ciente de nossas limitações, do convívio com os triunfos de outrora que nunca mais se projetarão. A opção de Corgan, levei essas dezenas de audições para perceber, foi íntegra: instigou sua vocação criativa até onde conseguiu, despindo-a do amargor e do cinismo que permeou seu trabalho desde que os Classic Pumpkins encerraram atividades. Daí surgiu um trabalho sincero, leve e focado, que embora carregue algumas deficiências comuns à era pós-Pumpkins original, é sustentado por músicas fortes o suficiente para justificar a iniciativa. Se em Zeitgeist, por exemplo, tínhamos um Corgan jogando na defensiva, lutando contra um mundo de desconfianças e incredulidade, em Oceania há um mentor ciente do que se pode propôr sob a alcunha The Smashing Pumpkins em pleno 2012, evitando ressuscitar clichês do passado, porém, brindando o ouvinte com passagens, melodias e solos inconfundíveis. O fato de contar com parceiros muito mais jovens (e esforçar-se para comunicar aos ouvintes que trata-se de uma relação colaborativa) tirou um pouco do peso de sua figura, nutrindo o álbum de um espírito renovado, iluminando sua figura como a de um experiente condutor no comando de uma nova máquina sonora. O álbum inicia muito bem, derrapa um pouco no seu miolo para retomar a inspiração pulsante em sua etapa final. Músicas como Violet Rays, Pale Horse e Inkless são das melhores que Billy escreveu desde TheFutureEmbrace. Oceania me fez pensar sobre como os ídolos de outrora envelhecem, fecham-se e têm de se reinventar frente à essa realidade recrudescida. Acabei me dando conta que, do lado de cá do balcão, estou neste mesmo processo.
S/V\R: "Célébration Noire" (Handmade Birds) O Sévére é metade do Menace Ruine, dupla que há alguns anos coloca na praça alguns dos mais inovadores crossovers entre peso e eletrônica, ao ponto de muitos se surpreenderem com o fato da dupla não usar guitarras, apenas equipamentos eletrônicos. Mas o projeto aqui em questão é obra de S. de La Moth, responsável pela instrumentação do MR, que em alguns pontos deixa-se entrelaçar com seu outro trabalho: não há economia em distorção, sujeira e obscuridade. Mas enquanto o Menace Ruine foca na música ritualística, materializada pelos vocais pagãos de Geneviève, o S/V\R mescla noise, post punk e new wave gótica num turbilhão de estridência e hecatombes sonoras. A audição do cassete é um montante de diferentes extremismos, conduzidos ininterruptamente em 220V.
Eagle Twin: "The Feather Tipped The Serpent's Scale" (Southern Lord) Se atualmente vemos a necessidade de subverter ao máximo as fórmulas do metal para que uma banda consiga sobressair-se a suas influências ou ao menos atingir seu centímetro de diferencial, há casos onde a própria essência da banda permite que ela soe diferente sem necessariamente degladiar-se com os estilos que desenvolve. O Eagle Twin carrega um DNA torto em sua essência, escancarado pelos vocais bêbados de Gentry Densley e impulsionado pela necessidade natural de escrever riffs e ritmos inconstantes, quebrados. Isso lhes concede isenção para escolher uma roupagem tradicional para seu som, guitarra pesadíssima e bateria, pois a química toda acontece na base dessa combinação, fazendo o ouvinte trafegar por caminhos repletos de solavancos e mudanças de ritmo sob os braços reconfortantes da herança metálica de um Black Sabbath que contratou Tom Waits para assumir os vocais.
Wreck And Reference: "No Youth" (Flenser) Escutando No Youth imagina-se o pior: um porão imundo repleto de infiltrações, cheiro de mofo, tubulação enferrujada, um usuário de drogas pesadas proferindo desencantos, a bateria em interminável frenesi e um sem-fim de guitarras. Porém, a realidade do Wreck And Reference é surpreendente: dois moleques de apartamento, nenhuma guitarra e provavelmente um quarto de faculdade com a roupa de cama limpa. A combinação desses elementos faz de No Youth um trabalho inusitado, onde convivem (ou disputam espaço) doses de metal, noise, ambient e sujeira, resultando numa sonoridade madura e visceral. Mas a angústia dos vocais é o que se sobrepõe a tudo, estabelecendo uma paisagem catastrófica e insolúvel ao resultado final. Incrível verificar que com recursos tão econômicos essa dupla chegou em um desfecho tão elaborado e relevante.
DIIV: "Oshin" (Captured Tracks) O selo Captured Tracks notabilizou-se por selecionar uma nova geração de jovens músicos interessados em realinhar a década atual com o som alternativo/eletrônico dos anos 80 e 90. Pense em um pouco de Creation, 4AD e se começa a imaginar as escolas que essas bandas celebram. O DIIV é uma banda jovem com integrantes pós-púberes, chuto algo circundando a faixa dos 20 anos de idade. Entretanto, o conteúdo musical chega maduro, definido e embasado o suficiente para fazer de Oshin um trabalho significativamente conciso que projeta-se além de um promissor disco de estreia. O álbum cheira a início de anos 90: bateria datada, clima garageiro, muitas e muitas guitarras. Difícil até mesmo apontar qual banda o DIIV incensa pois há a impressão de que eles foram influenciados por todas as boas bandas do início daquela década. Já na entrada, em Druun (part 1) sobressaem-se belas melodias, estabelecendo interesse suficiente no que estar por vir. Seguem-se então um leque de diferentes tons, ritmos e propostas, sempre interligados pelas ótimas guitarras e vocais, onde cada faixa tem lá seu clima particular e um padrão de qualidade muito acima da média. O DIIV não poupa o ouvinte de hits instantâneos como How Long Have You Know, Follow, Sometime) além de outros puxados para a introspecção (Earthboy, Home) e, se não bastasse, Oshin é transitável do começo ao fim ininterruptamente, não raro sugestionando uma nova audição.
Sunn O))): "Rehearsal Demo Nov 11 2011" (Ideologic Organ / Southern Lord) Num ano onde, ao menos na esfera independente, os conceitos de demos e full-lenght se entrelaçaram, o Sunn O))) aproveitou um período de entressafra criativa para fazer algumas turnês e, no embalo, disponibilizou esse LP às testemunhas interessadas. São três faixas que remetem aos primórdios de The Grimmrobe Demos: apenas guitarras, timbres, distorções e muito peso. Pequenos samples do caótico filme Posetitel Muzya contextualizam a parede sonora num universo ríspido, bruto e amargo, numa guinada inversa ao intrincado Monoliths&Dimensions que reafirma a relevância da dupla no cenário pesado contemporâneo. Muitos acham que as montanhas de ondas distorcidas criadas pelos fãs pode ser emulada por qualquer adolescente com um pedal, uma guitarra e uma (alta) caixa de som. Mas é na essência do seu som, reafirmada aqui, que o Sunn O))) prova o contrário.
Guilty Ghosts: "Veils" (Words & Dreams) O Guilty Ghosts é literalmente um projeto-de-um-homem-só, Tristan O'Donnell. A partir de uma drum machine, uma guitarra e um sem-fim de pedais e efeitos o músico cria belas texturas e melodias que acomodam-se entre o post rock, o ambient" e o "dream pop". Habilidoso ao escolher os timbres de seu instrumento e de seus equipamentos, ele é sagaz em harmonizar belas paisagens sonoras com guitarras distorcidas, não sem prestar tributo a bandas como Cocteau Twins, quando conta com vocais femininos em Everlasting Evening e Tinted Windows e flerta com células de pop. Veils ainda conta com um disco bônus, uma mixtape* pirata compilada por Tristan reunindo influências como Explosions In The Sky, Zola Jesus, The Cure e Tamaryn que curiosamente foi tão ou mais escutada que o próprio disco.
OM: "Advaitic Songs" (Drag City) O OM sempre carregará consigo a carga do Sleep, um vez que seu mentor foi responsável por participar da criação de discos incensados como o seminal Dopesmoker. Paralelamente, o uso da cannabis é igualmente indissociável de sua música, ao ponto dos ouvintes relacionarem as audições dos trabalhos do OM (e, claro, do Sleep) com o consumo da referida erva. Escutando o OM percebe-se que o trabalho de Al Cisneros enveredou desde o fim do Sleep para o caminho espiritual dessa prática, relacionando música, estados lisérgicos e cultura religiosa oriental, não necessariamente de forma objetiva, mas incitando um clima de estados alterados que esses caminhos proporcionam. Entretanto, o grosso da sua discografia entrelaça-se em torno desses temas, ao ponto de um mesmo disco perder a linha de andamento tornando-se exaustivo ou mesmo a própria discografia do OM pender para a repetição. Advaitic Songs quebra essa tendência, revisitando os conceitos que definem a banda, denotando ares de frescor às longas faixas que mais parecem mantras pós-modernos. Seja utilizando bem-vindos vocais femininos, instrumentação étnica ou encontrando os trechos certos para aplicar suas distorções, em Advaitic Songs o OM supera-se, oferecendo mudanças de ritmos e sonoridades ao dobrar de esquinas sem cair na redundância.
John Frusciante: "Letur-Lefr" / "PBX Funicular Intaglio Zone" (Record Collection) Após um rompante de LPs e EPs entre 2004 e 2005, John Frusciante lançou The Empyrean em 2009 onde deixou evidente o peso que a música progressiva passou a imprimir sob seu trabalho. Suas participações nos discos de Omar Rodriguez-Lopez e Mars Volta escaparam para sua carreira solo, tirando um pouco do brilho que a casualidade de seus discos anteriores tinham. Após um hiato de três anos, Frusciante trouxe à mesa uma versão ainda mais progressiva do que fez em 2009, descaracterizando significativamente sua obra e abrindo um novo universo para seu trabalho e, por quê não, para a música contemporânea. Baseado em técnicas matemáticas de estruturação de sua música, John desaprendeu a compôr e executar seu instrumento, passando uma boa parte desse período desenvolvendo uma nova forma de escrever música. O resultado disso é uma abordagem difícil de relacionar com o que se ouve por aí, talvez podendo-se ligar à escola de gente como o Robert Fripp, onde John revela-se contido em complexas estruturas musicais que operam como que por mecanismos lógicos. Mesmo assim, atropelam-se camadas complexas de sintetizadores e batidas que aparentemente dessincronizadas, fazem sentido no contexto geral das canções. Igualmente surpreendente é o flerte com o hip-hop, segundo John, um gênero que mostrou-se efetivo ao receber sua nova forma de expressão. O disco tem todo o potencial para frustrar os fãs habituais mas se é difícil elencar suas qualidades com eloquência, é fato que escutá-lo propõe ao ouvinte a revisão de como a música pode ser abordada e apresentada com o tanto que se fez ao longo das décadas.
KTL: "V" (Editions Mego / Daymare) Peter Rehberg e Stephen O'Malley já estão a alguns discos da proposta original do projeto, que era prover trilhas sonoras para peças teatrais de Gisèle Vienne. Ainda no disco anterior, "IV", o duo passou a reunir o conjunto das faixas num conceito de álbum, submetendo-as ao exercício de fazê-las soar com a particularidade e unicidade necessária, ao contrário do processo inicial do KTL onde o compromisso musical limitava-se a preencher o silêncio com camadas de sons esparsos, embora sempre sobrecarregados de tensão. Em V o KTL chega em seu melhor momento, com a dupla encontrando seus melhores caminhos de interação e, fortemente norteada por referências da musique concrète, atinge o equilíbrio entre vocação composicional, concisão musical e utilização de recursos. Com isso ela perdeu um pouco do caráter repetitivo que por vezes cansava o ouvinte, propondo ambientações mais elaboradas e muito bem estruturadas. Destaque para Phill 2 e suas orquestrações imponentes.
Menace Ruine: "Alight In Ashes" (Sige / Profound Lore) Não há uma quebra com o que esse duo apocalíptico fez em seus três full lenghts" anteriores, na verdade, há uma continuidade dessa trajetória, por vezes induzindo a percepção de que novas saídas possam ter se esgotado. Mas os recursos sonoros de S. de La Moth são tão contundentes e abrasivos que, contrastados com a rusticidade dos vocais de Geneviève, não podem passar despercebidos num balanço do que deve ser escutado em 2012. É o típico caso onde mais doses do que já escutamos são bem-vindas, pois nem tudo precisa ser inovador ao extremo, mesmo que em Alight In Ashes* prepondere um clima menos caótico que o disco anterior.
Comentários:
Fiquei curioso para conhecer o Trepaneringsritualen. Sobre o Oceania, andei rabiscando umas idéias, devo publicar em breve. Acho que iremos debater [risos]. Sobre o Om, estou gostando do disco, mas eu sou fascinado pelo anterior, o God is Good, e este novo ainda não o superou, ao meu ver (digo, escutar). O KTL tenho que escutar urgentemente e o Frusciante, putz, esse eu tô com um medo danado de ouvir!
De uns anos pra cá ando bem rabugento com bandas novas, mas esse disco do DIIV merece todos os elogios e ser escutado por um tempo!
(Não é mais possível adicionar comentários neste post.)