Lendo sobre Neil Young e Axl Rose
Fabricio C. Boppré |Texto:
Na verdade, "desistindo de ler sobre Neil Young", pois sua autobiografia conseguiu a proeza de ser só o quarto ou quinto livro que abandono em toda minha vida. Que negócio chato do cacete! Antes da trigésima página eu já estava derrotado pela amolação de ler reiteradas vezes sobre seu empreendedorismo, seus trens, seus carros, seu empreendedorismo em fazer carros, seus carros feitos de trens, já nem sei mais --- e muito pouco sobre música. Entendo que ele pode abordar os assuntos que quiser, afinal, é sua autobiografia, mas é razoável imaginar que a música ocuparia a maioria das páginas, não? Enfim, nem mesmo minha grande devoção pela obra (musical) de Neil foi suficiente para me fazer seguir em frente. Tenho certeza que perderei as boas histórias sobre as gravações dos discos, as turnês, e tudo o mais que verdadeiramente me interessa e que devem estar diluídas no restante do livro, mas até onde cheguei calculo que foi menos de um terço de leitura sobre tais assuntos, e como carros e trens e empreendedorismo entram facilmente na listinha dos dez assuntos que menos me interessam na vida, decidi que não vale o sacrifício e desisti. Ainda bem que não comprei o volume; eu vinha lendo-o paulatinamente numa livraria que frequento.
E foi nessa mesma livraria que li um texto sensacional de cerca de 20 páginas intitulado O último retorno de Axl Rose, escrito por John Jeremiah Sullivan. Eu já tinha curiosidade de ler Pulphead, a compilação de ensaios de Sullivan recém-lançada por aqui, quando encontrei-a nesta livraria e descobri o texto sobre o homem do Guns N' Roses enquanto folheava brevemente suas páginas para avaliar a compra. Figuras bizarras como Axl costumam justificar com folga artigos e ensaios, e sendo ainda por cima um personagem da minha infância, me pus a ler imediatamente o texto, e depois ainda comprei o livro. Seguem aí dois trechinhos, um não diretamente relacionado ao Guns, mas que transcrevo para vocês verem como a pena do cara é muito boa, e depois outro sobre o Axl dançarino.
Enquanto eu chegava no alto do morro, uma banda de rap-rock estava tocando. A justificativa para a existência do rap-rock parece ser a seguinte: se você pegar um rock muito ruim e misturar com um rap muito ruim, o resultado é mais ou menos bom, desde que os raps sejam berrados por um cara branco acima do peso com o cabelo raspado e tatuagens no antebraço. As mulheres daquelas poucas granjas tinham se reunido diante da cerca; se apoiavam, balbuciavam e sacudiam as bengalas. (...) [Elas] estavam mesmo prestando atenção no rap-rock, e parte de mim sentiu vontade de correr até elas e garantir que, mesmo que depois que elas morressem, ainda restaria no mundo pessoas conscientes do quanto aquela música era horrenda, e que essas pessoas transmitiriam seu conhecimento a membros cuidadosamente escolhidos das gerações seguintes, mas as senhoras não pareciam preocupadas. Estavam até rindo. Sem dúvida lembravam de circos itinerantes armados naquele mesmo campo em mil oitocentos e noventa e poucos, e no fim das contas qual seria mesmo a diferença? (...)
Considero o momento do vídeo de "Patience" em que ele [Axl Rose] faz a dancinha da cobra em câmera lenta enquanto as mãos descem flutuando como se fossem penas num cômodo sem correntes de ar (...) o maior momento de um dançarino branco e homem na era do vídeo. Desculpa, mas o que Axl faz é adorável. Se eu conseguisse, faria isso até quando estivesse saindo para comprar alguma coisa. Acordaria todas as manhãs e dançaria (...) e essa seria minha dança. E embora eu não possa afirmar que esta noite Axl esteja dançando tão bem quanto no passado, que seus calcanhares se afastem deslizando do centro de equilíbrio do corpo com tanta fluidez que parecem ter sido libertados de resistência e peso por uma varinha de condão, e ainda que em determinados momentos possa fazer alguém se lembrar de um tio caipira bêbado tentando uma "imitação de Axl Rose" após uma festa de Super Bowl, ainda assim ele está se portando com dignididade. Está fazendo a dancinha de "que saco acabo de derrubar uma bola de boliche no pé agora vou girar com o pedestal do microfone"; está fazendo a dancinha "saltitando de lado com o pedestal do microfone como se fosse um guerreiro ritual segurando um bastão e pronto para atacar" entre uma estrofe e outra. E após cada verso ele encara a platéia com aqueles olhos estranhamente alarmados, mas ainda assim deprovidos de medo, como se tivéssemos acabado de surpreendê-lo no interior do covil, destroçando uma carniça. (...)
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