2014
Vicente M. |Imagem principal:

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Whirr / Sway (Graveface): O disco que relutou em dar espaço a outros por aqui. Acabou como o melhor do ano, daqueles que já na largada se estabeleceram como uma grata promessa e, à medida que foi digerido, cresceu ao ponto de encravar-se em alguma área sensorial do cérebro para dali nunca mais se soltar. O inusitado é que de um "melhor disco do ano" costuma-se esperar tendências inovadoras, no mínimo alguma resposta para o que se pode criar de novo e relevante num determinado período. Mas Sway é apenas um bando de moleques com guitarras saturadas, bateria energética e vocais tímidos, introspectivos, versando sobre as impossibilidades da paixão. E o que se tem de tão especial? A onipresença da dualidade entre rispidez e suavidade, seguida por um conjunto incrível de melodias que recorrem simultaneamente ao peso e à melancolia. Todos esses elementos combinados criaram mais um disco onde palavras dificilmente ajudam a explicar o magnetismo que se estabelece e talvez nem mesmo as audições preliminares sejam suficientes para se chegar num estágio de admiração do álbum. Não li alguma menção ao Whirr nas listas que já estão pipocando, aí parei para refletir se o meu ano é que foi muito diferente do que esperava, ao ponto disso refletir nas coisas que foram importantes para mim. Cheguei à conclusão que meu ano foi realmente diferente, mas não eximo o resto do mundo de estar equivocado em relação a Sway.
Swans / To Be Kind (Young God): Confesso que até esse ano o Swans era uma banda que os outros ouviam, muitos veneravam, mas transmitia uma noção de que eu não encontraria muito abrigo na sua obra. Existe uma série de bandas e artistas que compõem esse conjunto do qual não me aproximo mesmo sabendo que estou ignorando discos que mudariam mais uma vez minha forma de ouvir música. Se não mudariam, provavelmente abririam ainda mais perspectivas sobre as possibilidades dos sons e de como podemos nos comunicar através deles. Mas tive acesso a um preview de To Be Kind e lá pela metade dele comecei a entender que o Swans gira em torno de tornar sua experiência sonora hipnoticamente amarga. Basicamente o que grande parte das bandas de metal tentam fazer, porém, nas mãos de Michael Gira o efeito é incrivelmente real e verdadeiro, e sem o recurso cosmético de maquiagens, histórias demoníacas ou guitarras obrigatoriamente pesadas. Creio que o fato de sua música partir de movimentos primais e às vezes xamanísticos deixe ela naturalmente maligna, o que permite ao Swans uma interessante posição onde até o mais singelo sussurro no decorrer duma faixa evoque desconforto.
Old Man Gloom / The Ape Of God (Profound Lore / Sige): Uma das bandas mais pesadas do universo lançou o disco mais pesado do ano. O apelo do Old Man Gloom está na sugestiva indiferença com o que se poderia esperar deles, onde não se sabe exatamente se o que eles gravam tem algum compromisso com conteúdo ou se o trator desgovernado que eles lançam em direção ao planeta não passa de piadas internas. Tanto que lançaram dois discos com o mesmo nome, isto é, existem dois Apes Of God na praça, diferentes, e você que trate identificar qual é qual. Detalhes a parte, o Old Man Gloom já tem uma discografia que gira em torno de brutalidades entrelaçadas com interlúdios espaciais, onde se estabelece uma constante transição entre momentos de hipnose e brutais estouros de boiadas. Em The Ape Of God eles atingem seu auge, concisos, com seus melhores riffs e transições.
Have A Nice Life / The Unnatural World (Flenser): Fui apresentado ao Have A Nice Life através deste disco e acabei descobrindo que eles já eram pais de um álbum cult chamado Deathconsciousness, algo que poderia ser considerado um "clássico" das obscuridades da era internética. Entendi então que esse The Unnatural World não apenas era a sequência de um disco obscuro venerado por um punhado de ouvintes como poderia (ou não) reafirmar a dupla Tim e Dan em algum lugar relevante da música que nem todo mundo escuta. E embora este novo disco apresente uma envergadura não tão épica quanto a de seu sucessor, seu desenrolar é intenso o suficiente para consolidá-los como uma banda diferenciada. Estão ali, novamente, elementos como metal, eletrônica, pós-punk, combinados de uma forma que fazem você ter vontade de um dia montar sua banda de rock. A iniciativa foi tão boa que o selo reeditou Deathconsciousness alguns meses depois, atendendo a apelos de quem buscava por vias legais o disco até então esgotado, proporcionando aos ouvintes a possibilidade de fechar 2014 com os dois álbuns nas suas coleções.
Planning For Burial / Desideratum (Flenser): Disco para fãs de discos de dias chuvosos onde procura-se esperança em vão. Seu autor, Thom Wasluck, provavelmente ouviu muito Smashing Pumpkins, The Cure e todos os góticos e decidiu que faria tudo sozinho mas ainda mais deprimente e obscuro. Desideratum passa por incríveis colagens de manipulações sonoras, pedais, eletrônicas e guitarras distorcidas onde o tentador shoegazing ameaça surgir como primeiro rótulo, embora o que efetivamente se destaque sejam as texturas abrasivas que infestam o álbum. Lentas e arrastadas, as músicas exalam pessimismo e desilusão e Thom soa como um cara realmente perturbado que você vai ignorar nos seus dias mais alegres. Desideratum é um álbum que você escolhe quando sabe que as coisas não estão muito bem e que escutá-lo lhe trará aquela estranha sensação de que há outros seres desiludidos vagando por aí, numa espécie de comiseração desajustada.
The Smashing Pumpkins / Monuments To An Elegy (BMG): Bom, sugeri que tive um ano atípico e que isso se refletiu nesta lista. Bem, o fato desse disco estar aqui, supostamente digno de uma recomendação, é mais um indício de que meu balanço pessoal anual tem algum fundamento. Lançado aos 49 do segundo tempo, Monuments To An Elegy convence por tomar um caminho que Billy Corgan não percorria há anos: o de poupar em praticamente tudo. Ele poupou na escolha do baterista, no conceito das estruturas e arranjos das novas músicas e, principalmente, em como definir o que ele chama de Smashing Pumpkins neste momento. Não há aqui a insistente preocupação em fazer da banda uma banda, o que aproxima bastante o disco do conceito de um trabalho solo. Se em Oceania ele corrigiu alguns erros pregressos mesmo tendo que se desdobrar para convencer sobre a relevância do papel dos outros músicos, em Monuments To An Elegy tem-se apenas o necessário para que Corgan respire com ímpeto e uma saudável sugestão de indiferença quanto ao que o álbum significará para os ouvintes e à discografia da banda. A quase totalidade das músicas soa redonda e certeira, podadas de afrescos que vinham caindo muito mal para os Pumpkins, e se o novo disco está distante de clássicos como Siamese Dream e Mellon Collie And The Infinite Sadness, ele está muito próximo do melhor que Corgan pode fazer nos dias atuais.
Scott Walker + Sunn O))) / Soused (4ad): O que escrevi sobre um distanciamento natural que o Swans impunha até que o desse uma chance, vale para Scott Walker. Entretanto, por mais que o escute, as obras desse Sr. demandam um clima bem específico para serem digeridas e o clima em questão não se manifesta por aqui com grandes frequências. O fato do Sunn O))) "dividir" o álbum automaticamente estabeleceu um conceito onde ambos fariam algo que entrelaçasse suas indefectíveis características para criar uma terceira via, porém, Soused não confirma exatamente essa suposição. O disco é, sobretudo, mais uma etapa na discografia de Walker e comunica-se pelos mesmos meios que os aclamados The Drift e Bish Bosch. Walker segue o formato onde seu vocal dramático protagoniza histórias decadentes, apoiadas sobre efeitos sonoros onde muitas vezes o silêncio oprime mais do que as tormentas sonoras. Mas o Sunn O))), embora mais coadjuvante do que a alcunha Scott O))) sugeriria, não passa em vão, usando todos os espaços que consegue ora com suas paredes de distorção, ora com outros instrumentos ou pasmem, usando a guitarra de forma um pouco mais convencional. Soused demorou a ser digerido por aqui mas à medida que se percebe que as guitarras do Sunn O))) são talvez os elementos que menos se impõem para forjar a perversidade onipresente no álbum, conclui-se que música pesada pode sim girar em torno de vocais barítonos de um senhor de setenta anos.
Em termos de reedições, 2014 nos brindou com o citado Deathconsciousness, com um Adore revisitado ao ponto de se entender os díspares caminhos percorridos pelos Smashing Pumpkins após sua consagração mundial e Spiderland do Slint que, se não ganhou muitos materiais extra de qualidade, fez seu papel de reafirmar o disco com uma das melhores obras gravadas nos tempos (nem tão) recentes.
Comentários:
Eu vi o disco do Whirr nesta lista: http://www.cvltnation.com/top-5-best-records-of-2014-according-to-kylesas-phillip-cope/
Não conheço a banda, mas vou procurar escutar este disco.
E o Earth, decepcionou? Não escutei ainda...
Taí, acho que o que o Phillip Cope escreveu também serve para mim. Disco que sonorizou meu segundo semestre quase que isoladamente. Grato pelo direcionamento!
Claro que ouvi o Earth, não vou te dizer que decepcionou porque o lance do Carlson tem sido quase andar em círculos mas sempre oferecendo trabalhos com qualidade. Mas logo quando ele resolveu dar algumas mudadas mais significativas, fiquei com a impressão que o resultado saiu meio "corrido". Mas para me contradizer, Primitive And Deadly foi bastante elogiado por ouvintes por aí, mostrando que a linguagem do Earth nesse álbum veio de encontro ao que uma maioria tenderia a curtir, talvez eu apenas não integre ela.
É uma ótima audição, até ouço com certa frequência, mas não é um Top 2014 para mim. Sinto falta de um pouco daquela sensação de melancolia e desilusão que ele colocou no som dele a partir de Hex.
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