Sobre hábitos e (re)descobertas + Comentários de sofá
Alexandre Luzardo |Texto:
Com o passar do tempo é comum desenvolver alguns hábitos onde ouvir música se encaixa de maneira quase que obrigatória. Uma das minhas manias é correr ouvindo música no fone de ouvido. Correr em termos, atletas correm, eu no máximo troteio com meu fone de ouvido ligado no aleatório. Na verdade a graça de ouvir música não acontece durante a corrida em si. O foco durante a corrida está em controlar o fôlego, dosar o ritmo, cuidar o tempo e a distância. A música fica em plano secundário, as vezes nem percebo qual a música que está tocando. É na hora de voltar para casa, já caminhando, que a música assume o papel principal. Durante aquela sensação boa de relaxamento total causada pela liberação de endorfina (assim dizem). Trata-se do momento perfeito para ser impactado de uma maneira especial, canções que passaram despercebidas por muito tempo de repente fazem todo o sentido. Ou canções já há tempo incorporadas em todos o seus detalhes ressurgem como novidade. No último domingo redescobri Memphis da PJ Harvey, que está entre as minhas favoritas dela. Tem alguma coisa especial ali. Não pela letra, que é tão direta na homenagem a Jeff Buckley que chega a ser incômoda em alguns momentos, mas na execução. O jeito de cantar dela, não com agressividade, mas com vigor, acompanhado de um arranjo simples mas perfeito de guitarra, é arrebatador, desde os primeiros segundos. A vontade foi de deixar no repeat e pegar um caminho mais longo apenas para prolongar o momento o máximo possível.
Memphis é um b-side da época do Stories From the City, Stories From The Sea, provavelmente meu disco favorito da senhora Polly Jean. Coincidentemente ou não, é o mais acessível. E então acabei lembrando de uma contemporânea da PJ Harvey que lançou disco novo semana passada, a Björk. Assim como PJ Harvey, a islandesa parece pouco afeita a essas coisas menores como conexão com o público e segue seus impulsos artísticos sem qualquer tipo de concessão. Justamente por essa característica é que o trabalho da Björk a partir do terceiro disco é mais fácil de admirar do que gostar, mas nem por isso é menos instigante. Aqui ela detalha o novo disco, inspirado no fim de seu casamento e por isso tem letras bem pessoais e desconcertantes. A ver.
Assisti boa parte da transmissão do show do Foo Fighters no Rio de Janeiro no Multishow no último domingo, show que tinha cogitado de ir aqui em POA e acabou não rolando. Pois olha, tudo indica que eu perdi um show que dificilmente se repetirá, ao menos nessas circunstâncias. Porque o Foo Fighters está no auge, senão criativo, ao menos de popularidade, e abraçou o seu status atual reproduzindo em seu show toda a grandiosidade performática de show grande, de banda de estádio. Faltou só pirotecnia, o resto teve. No contexto do álbum/documentário Sonic Highways, esse tipo de abordagem se justifica, até como homenagem à história do rock. E a banda executou todos os 'truques' com propriedade e competência, esbanjando carisma.
De todo o jeito, se o Foo Fighers for voltar outras vezes como prometeu na despedida do show, que venha com um show mais enxuto, ao menos que não tenha versão estendida de todas as músicas. Uma ou duas tá na conta, mas não todas. O show não engrena, quebra o pique a todo momento. De repente na hora da pesquisa para o documentário e para montar o conceito da turnê faltou prestar atenção em algum show do Ramones. Mas a cover do Rush ficou muito boa.
Comentários:
É, também ando em fase de intensos resgates, descobertas e redescobertas. Nunca fui de mergulhar muito no som da Polly Jean, ficava com aquele feeling de que ela me devia um pouco mais do que eu acabava de ouvir para justificar a idolatria em torno de sua carreira. Mas hoje sou menos chato (acho), talvez reveja esse conceito. Sobre Grohl & cia., tenho uma grande dificuldade em entender o por quê de terem adquirido tamanha envergadura. Se o rock está quase na marginalidade dos interesses culturais do planeta e seus discos meio que não colocam muita coisa inovadora na mesa, sempre atribuo o apelo deles ao fato dele ter tocado no Nirvana. É um senhor cartão de visitas, claro, mas não vejo no conteúdo musical deles algo que lhes dê algum traço especial. Acho que é porque eles oferecem um rock "fácil" de digerir, de ouvir, sem muito para interpretar. E isso pode sim te manter durante muito tempo no auge. Em suma, vi três músicas no Multishow, faltou luz lá em casa e fui dormir com a certeza de que dificilmente veria a quinta música caso a energia elétrica não tivesse sido interrompida.
Legal esse lance da corrida ouvindo música. Correr não é muito a minha, mas eu caminho muito ouvindo música. Aliás, um dos meus motivos para não ter um carro reside justamente aí: ter sempre à disposição esses momentos de deslocamento para leitura e música. Tenho uma coleção extensa de lembranças maravilhosas de caminhadas e viagens e pedaladas por aí com fones de ouvido.
Compartilho essa dúvida contigo, Vicente. Não vejo absolutamente nada no Foo Fighters. As razões para eles serem tão populares é pura esperteza e estratégia e imagem, creio. Gosto bastante do primeiro disco, na verdade, mas parece que naqueles tempos, 94, 95, 96, ninguém dessa turma conseguia lançar disco ruim, né? O ar estava impregnado ainda de boas inspirações.
O Alexandre descreveu muito bem essa relação de música x corrida. Quando eu corria (cansei de insistir após sucessivas lesões), gostava que uma coisa complementava outra e em raras exceções deixava o MP3 em casa. Lembro bem que Oceanic do Isis era um dos meus companheiros preferidos para aquelas extenuantes empreitadas. Sinto muita falta daquele estado de espírito.
Sobre a escalada do Foo Fighters, durante algum tempo eles pareciam uma espécie de "miss simpatia" do rock, não despertava grandes rejeições ou polêmicas mas ao mesmo tempo também não parecia ser a banda favorita da gurizada colocar pôster no quarto. Acho que o fator Nirvana sempre foi a principal credencial mesmo, mas hoje estão num outro patamar.
É legal ver o baterista de uma banda como o Nirvana montar um projeto e ser bem sucedido. Isso realmente explica o sucesso inicial. Mas por outro lado acho muito esquisito que eles ainda existam hoje. Um amigo meu foi ao show em BH e disse que o local estava tomado por adolescentes histéricas gritando "Dave seu lindo". O público em sua grande maioria só interagia quando era tocada alguma música dos dois últimos álbuns. Quando rolou "I’ll Stick Around" quase ninguém sabia do que se tratava. Será que esse povo conhece o Nirvana?
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