Janeiro 2016
Vicente M. |Imagem principal:

Texto:
Viramos um ano e eu cada vez mais indiferente às festas, ao ponto hoje enxergar os anos como meras representações humanas do tempo. Tempo este que podemos, mesmo ele, questionar. Ele realmente existe? Bom, facilitando minha vida, deixo esse tipo de dúvida de lado e convenciono essa época como um feriado prolongado onde tenho o prazer cada vez maior de ver a cidade vazia e entrar num ritmo que me dou o direito de improvisar na hora. Os discos a seguir me acompanharam na academia, no carro ao trafegar versões semidesertas das ruas da cidade e em casa, quando soam ainda mais intimistas e detalhados. Bom ano para quem gosta de organizar a vida dentro dessas fatias de trezentos e sessenta e cinco dias.
Lift To Experience : The Texas Jerusalem Crossroads (2001, Bella Union) Após sua fase de celebração – quando o Lift To Experience ensaiou uma certa proeminência no início daquela década, The Texas Jerusalem Crossroads imergiu no esquecimento cercado por uma aura maldita, contrária a todas as expectativas. A banda esvaiu-se em cinzas e seu interlocutor, Josh T. Pearson, seguiu errante em subempregos, acolhido por seitas religiosas, sugado pela crueza da vida real que as críticas sobre seu disco jamais sugeririam. Mas há, de fato, algo no álbum que suscita redenção e grandiosidade florescendo a partir do amargor da realidade, um som intenso criado a partir da simplicidade de guitarra, baixo e bateria que adquire ares míticos, messiânicos. É impossível mergulhar em suas longas faixas sem o comprometimento com algo maior, sem a dedicação de tentar percorrer o contexto fabuloso-religioso das letras, sob pena de não se extrair todos os estados de espírito que The Texas Jerusalem Crossroads desperta. Repleto de referências musicais provenientes do indie rock e ambientação com um quê da aridez texana, eis um disco que por vias ordinárias mergulha o ouvinte num longo universo fantástico como apenas grandes álbuns conseguem fazer.
Jay Z : Magna Carta Holy Grail (2013, Universal) Esse disco tem o perfil de tantos outros discos que eu não consigo não odiar. Produzido por hitmakers como Timbaland, conta com a participação de “artistas” do naipe de Justin Timberlake (a primeira voz a ser escutada em MCHG) e Beyoncé. O próprio Jay Z já não contava com minha simpatia desde os tempos de MTV quando figurava nos vídeos com o Linkin Park. Enfim, como a primeira impressão é a que fica, enquadrei o rapper no grupo mainstream, suscetível a manobras das grandes gravadoras e há tempos desvinculado da vida pregressa nos guetos. Mas escutei ocasionalmente uma das músicas do disco na NTS Radio ( FuckWithMeYouKnowIGotIt) e algo coçou meu ouvido. Fui atrás do disco e além de reconhecer que quase sua totalidade é musicalmente atraente, fui surpreendido com o conceito irônico sobre o estilo de vida multimilionário de Jay Z ao invés duma confrotável tentativa de forjar mais um inócuo e questionável capítulo sobre metralhadoras quando seu cotidiano está indubitavelmente voltado para champagnes, caviares e eventos sociais. Magna Carta Holy Grail é um bom disco de hip-hop, recheado de escárnio, que ao menos permite visualizar Jay Z com ares de artista e rapper competente que, devo admitir, ele é. Uma boa oportunidade para rever conceitos.
Diiv : Is The Is Are (2016, Captured Tracks) Já escrevi (algumas?) vezes sobre o Diiv e sobre como Oshin, seu primeiro álbum, é subestimado. Trata-se de um disco que além de revelar a banda, a consolida e, pelo menos por aqui, segue em contínua rotação. As expectativas para o álbum seguinte, de gestação supostamente tortuosa em virtude dos problemas pessoais do protagonista Zachary Cole Smith, eram pulsantes, ao ponto de Is The Is Are ser alvo de uma ansiedade que há tempos eu não lembro de ter nutrido por álbum algum. Ansiedade essa substituída por uma recompensadora satisfação no apagar das luzes de 2015, quando o disco chegou à web. Is The Is Are mantém amarras com seu antecessor através do clima que resvala para a surf music dos anos 80 fundida com o guitar rock dos 90. Mas os ecos de shoegaze e dream pop enfraqueceram, dando lugar ao post punk que em várias passagens se encaixariam tranquilamente num disco do The Cure e, de fato, fazem do disco um capítulo mais obscuro no curto currículo do Diiv. Is The Is Are é um álbum mais encorpado, melhor pensado e concebido, sem a perceptível urgência que caracteriza Oshin. E o que ele oferece de mais encantador é a dualidade entre o upbeat que conduz o som do Diiv e uma névoa sombria que o adorna de ares góticos, como sair para passear num dia ensolarado sem que o esplendor do dia seja capaz de amenizar as angústias que pairam no ar. Talvez o disco passe sem grandes repercussões para quem não nutre algum carinho por Oshinou, ao conhecer a banda, considere-a apenas mais um grupo a ser escutado e esquecido. Mas para os que se identificaram com esses nova-iorquinos, Is The Is Are chegou para ocupar boas horas de audição no ano que começa.
Comentários:
Cara, nunca ouvir falar em Lift To Experience, e fiquei muito curioso! Vou procurar.
Bah, é uma surpresa. Jurava que tu tinhas ouvido o disco quando ele saiu. Cara, tu que gostas de guitarras tipo em enxurrada, acho que vais curtir. Fora o fato que é meio para-arranca, eles baixam a bola e em seguida vêm com tudo de novo.
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