Música
Fabricio C. Boppré |Imagem principal:

Crédito(s): Giacinto Scelsi em foto copiada daqui.
Texto:
Eu, na verdade, começo a antipatizar com este termo “música clássica”. Por mais que, pelo costume que temos de utilizá-lo já há tanto tempo, acabe funcionando para identificar com precisão ao menos uma grande porção do legado musical da humanidade, ele hoje me parece acima de tudo defasado para designar muitos dos desdobramentos e possibilidades que foram surgindo a partir dos preceitos fundamentais do segmento dito "erudito" da música (em oposição ao "popular") e da produção ampla e disciplinada dos compositores que frequentaram conservatórios e que de alguma forma se identificam com esta linhagem, uma enorme quantidade e variedade de música que, por pura letargia, continuamos a chamar de “clássica”, ou, quando muito, “clássica contemporânea”, ou algo do tipo. O problema é que “música clássica" evoca também senhores e senhoras em trajes de gala, elitismo, arte feita sob encomenda para homenagear dinastias reais, fórmulas e tradições de séculos atrás, e por aí vai, coisas que não têm absolutamente nada a ver com o ethos da música de, por exemplo, Giacinto Scelsi. “Música clássica” acaba sendo totalmente inoportuno para descrever o fantástico mundo de sons deste italiano, haja visto que afastará imediatamente qualquer um que tenha uma mais do que compreensível repulsa ao aspecto esnobe e conservador de tudo que é “clássico”, neste seu sentido mais antiquado, o que é uma pena, pois, por exemplo, fãs de Sunn O))) e de drone, e destas variantes mais elaboradas de black metal, e de qualquer coisa de verve tétrica e experimental, deixarão de conhecer peças como Uaxuctum e Anahit, ambas compostas por Scelsi na década de 60, composições povoadas de cantorias e percussões insólitas, silêncios e sibilações enigmáticas, sons que se alongam e se agravam ao ponto do aterrorizante, tudo conduzindo o ouvinte a cenários surrealistas totalmente opostos àqueles criados por, digamos, Mozart e Vivaldi, e no entanto, continua sendo “música clássica” — boa parte da técnica é a mesma, tem partitura e maestro, uma porção de instrumentos, tem descendência e afinidades identificáveis com a música litúrgica de Bach e Bruckner e com os mais contemporâneos Stravinski, Ligeti e Penderecki, e você encontra nas prateleiras das lojas de discos especializadas em música clássica, ao lado daqueles mesmos Mozart e Vivaldi. É e não é música clássica; no fim, o que importa é que é fascinante. Portanto, não tenha medo da “música clássica”! Trata-se de um termo reducionista que não dá conta de tudo que pretende abranger hoje em dia, e que poderia perfeitamente, a essa altura, ser abreviado simplesmente para “música".
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