Dying Days
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Impressões auditivas, Vol. XV

Fabricio C. Boppré |
Impressões auditivas, Vol. XV

Crédito(s): Philip Glass em foto de autor desconhecido, copiada aqui

  • Procure pelo disco Tribute do Keith Jarrett Trio. Suponho que seja possível encontrá-lo no Spotify, no iTunes Music, na parafernália virtual toda. Ou faça uma cópia pirata mesmo, não tem problema. O Keith Jarrett Trio é Gary Peacock no contrabaixo, Jack DeJohnette na bateria e o mestre Keith no piano. Ouça ao disco. Ouça, com especial atenção, à faixa Sun Prayer. Agora perceba: você que está sem sair de casa, fazendo sua parte para evitar que a catástrofe que se aproxima seja um pouco menor, você pode ouvir a esse disco quantas vezes ao dia você quiser. Pode ouvi-lo de manhã, logo depois do café da manhã; pode ouvi-lo durante o almoço e depois de tarde novamente, enquanto trabalha ou estuda. Pode — deve — ouvi-lo no cair da noite, e depois mais tarde uma última vez, antes de dormir, ou enquanto adormece. Viu? Ficar em casa não é necessariamente tão ruim assim.
  • Estou passando por uma nova fase de encantamento pelo Passages, o disco resultante da parceria entre Philip Glass e Ravi Shankar. Que música fabulosa criaram esses dois! Meu entusiasmo é tanto que resolvi até mesmo dar uma nova chance à obra de Glass, compositor com cujo santo, de modo geral, o meu não bate. Ouvi alguns de seus discos com obras para piano solo, depois umas duas ou três de suas sinfonias, e cansei. Não tem jeito: algo nos sons que Glass gosta de utilizar e na forma como ele os ordena no tempo e no espaço — disposições resultantes de algo que me parece um deslumbramento muito antigo e já esgotado por uma fé excessiva — alguma coisa nesta sua tão reconhecível assinatura sonora me aborrece demais. Acho quase tudo demasiadamente maçante, auto-referente, entediante — às vezes até mesmo um estardalhaço intolerável. É como se Glass tivesse inventado uma máquina compositora de música e a escondesse em seu porão, e lá vai ele vez ou outra, sorrateiramente, descer as escadas e botar o negócio para trabalhar. Uma vez (desconsiderando este disco gravado com Shankar) a coisa funcionou de modo sublime: foi quando a máquina esteve em sua mais perfeita e exata configuração, um arranjo fino e preciso entre suas variáveis internas e circunstâncias externas, e o resultado, que ficou denominado Glassworks, é tão fantástico quanto Passages.
  • Glass completou sua décima segunda sinfonia no ano passado. Vou acabar escutando-a, um dia, mas não deposito nisso grandes expectativas. Krzysztof Penderecki, que faleceu no fim de março, completou sua sinfonia de número 6 — intitulada Chinesische Lieder — em 2017, tendo iniciado a composição em 2008. Antes disso, porém, ele já havia terminado a sétima (em 1996) e a oitava (em 2005). É meio confuso mesmo. É o trabalho da vida desses caras: suponho que convém a eles complicá-lo um pouco, dedicar-lhe muitas horas, muito pensamento e muito grafite; torná-lo árduo e exaustivo. Refletir, pesquisar, revisar — fazer desta imaginação de sons e sua escrita algo para o qual valha a pena, afinal, consagrar o tempo de uma vida. O que decerto descarta a minha hipótese da máquina compositora de músicas de Philip Glass e recoloca em seu lugar aquela outra cogitada antes: nossos santos, o meu e o de Glass, simplesmente não se bicam. (Enquanto que o mistério acerca de Passages e Glassworks apenas torna estas obras ainda mais especiais.)
  • Das anotações iniciais, que datam 1855, até o momento em que deu-a por terminada (em 1876), Brahms levou 21 anos para finalizar sua primeira sinfonia.

Categoria(s): Opinião

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