Alguma música
Fabricio C. Boppré |Imagem principal:

Crédito(s): Noite de verão na praia, de Edvard Munch
Texto:
Pretendo, sim, manter o hábito completamente inútil para o mundo e fundamentalmente necessário para mim de escrever com algum vagar e reflexão acerca dos álbuns que escuto, examinando as reações que eles me causam, as associações que arquitetam em minha mente, etc. Pena que não vai ser deste vez. De novo. A vida continua complicada — a situação permanece “russa”, como diz um amigo. Mas ao redor de mim, nas últimas semanas, ressurgiu enfim alguma música, e embora o pressentimento de emergência teime em não dissipar-se, poder dedicar novamente algum tempo para uma atividade que tem como beneficiário único eu mesmo foi um grande alento, uma esperança renovada. Colocar enfim o Ten do Pearl Jam para tocar e bradar a plenos pulmões (em silêncio, para dentro) “ooooh-aaaah-ooooh I’m still alive-eeeeeh” — isto foi até algo mais: foi extasiante. Eu já estava cansado de ficar continuamente reproduzindo este álbum em minha imaginação: isso exige concentração e concentração é algo que, no tumulto dos últimos meses, ficou pelo caminho, perdida em algum desvão, algum transtorno, crise ou quarto de hospital. Alguém ainda escuta ao Ten? Eu escuto. Release ainda me arrepia a pele dos braços, mas confesso que a atração maior deste álbum atualmente, para mim, é que ele sempre me lança de volta aos corredores do prédio onde passei a infância e a adolescência, a lembrança de certa luminosidade de fim de tarde que deixava tudo meio mágico e dourado nos fundos do prédio, no momento em que a meninada toda se desembaraçava dos pais e do colégio e se encontrava por ali para ficarmos vadiando e ouvindo música e gravando fitas cassetes. Bons tempos. Outros tempos. Das relações afetivas sendo costuradas hoje, em meio às tormentas, ao cansaço e às pequenas alegrias: é uma pena que eu tenha conhecido a música de Steve Gunn nesta época tão problemática de minha vida; a associação de uma coisa com a outra temo que será para sempre inevitável. Mas tudo bem. O esgotamento físico há de passar e as cicatrizes psíquicas hão de me ensinar alguma coisa. The Unseen in Between, pensando bem, é trilha-sonora para a vida, e a vida é assim mesmo.
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