Discos do mês - Janeiro de 2023
Fabricio C. Boppré |Imagem principal:

Crédito(s): Kurt Vile em foto de autor desconhecido, copiada daqui.
Texto:
Kurt Vile - (watch my moves)
Cabra bom demais este Kurt Vile. Ouvi-lo cantar (na faixa de abertura deste disco, Goin on a Plane Today) sobre estar em um avião e ficar meio bêbado com as bebidinhas que nos trazem os aeromoços e aeromoças, feliz e assombrado por estar indo abrir um show do Neil Young ("Gonna open up for Neil Young / Man, life can sure be fun / Imagine if I knew this when I was young”, sim, ele rima Neil Young com young, o abusado) — tudo isso é um aconchego e uma felicidade. Vile me parece meio trovador, meio cronista, estar cantando e tocando é o seu jeito de atravessar a vida e comunicar-se, é o que ele sabe e gosta de fazer. Essa impressão é sempre o que me vem à mente em primeiro lugar, quando escuto seus álbuns. Parece-me bastante com o espírito que anima os discos do Mark Knopfler; decerto é o que me faz gostar tanto dos discos de ambos. Neles costumo encontrar mais uma índole e um temperamento que me sossegam do que propriamente um refrão ou uma melodia que me marquem ou emocionem, e é daí que vem o aconchego, desse alojamento em um espaço mental levemente deslocado do mundo, o suficiente apenas para que as coisas possam transcorrer sem maiores interrupções ou sobressaltos.
Bríi - Entre Tudo que é Visto e Oculto
Vejam só, até mesmo sentir orgulho do Brasil começa a nos ser concedido novamente, pouco a pouco 1. De Brasília vem o Bríi, black metal arrojadíssimo, espiritual, futurista, não sei bem como definir — o mais importante, em todo o caso, é que se trata de black metal que não nos envergonha com os temas nacionalistas (em geral, eufemismo para “racistas") típicos das bandas européias, muito pelo contrário. Confesso que tenho algumas dificuldades com os dois celebrados últimos discos do Bríi; é como se Caio Lemos, o músico por trás da banda, estivesse tentando a todo custo superar seu primeiro álbum, este extraordinário Entre Tudo que é Visto e Oculto, sem ter ainda vislumbrado com clareza a fórmula para isto. Mas torço para que ele permaneça tentando, e eu apostaria bastante alto que uma hora ele vai conseguir.
R.E.M. - Reveal
Dias desses bati os olhos na lombada do Reveal na minha estante de discos e imediatamente me repreendi por estar (como estava naquele momento) há tanto tempo seu escutar ao R.E.M.. Trata-se, afinal, de uma das bandas de minha vida, a quem devo muito… (Eu ia dizer que o Automatic for the People me salvou algumas vezes, mas seria uma mentira para efeitos de dramaticidade. Nunca estive tão mal a ponto de precisar se salvo por alguém ou por algum disco. Mas já recorri a ele em busca de uma injeção de ânimo, de um descanso para o cérebro, uma noite bem dormida.) Puxei-o da estante e imediatamente me vieram uma lembrança e uma desconfiança: a lembrança era de que o disco não é muito bom; recordava-me de que gostava muito da primeira faixa, The Lifting, muito promissora em relação ao restante do álbum (sem que tal promessa se realizasse, infelizmente), e da irresistível expansividade de Imitation of File, mas da maioria das faixas entre uma e outra eu muito pouco me lembrava, e das poucas que vêm depois de Imitation of File e finalizam o disco, dessas eu lembrava menos ainda, quase nada. A desconfiança: certos discos ruins, quando são uniformemente ruins, consistentemente monótonos, geram em mim uma curiosa empatia. Acho que gosto do estado de espírito taciturno que alguns deles engendram, me identifico com a “falha" da banda (já que eu mesmo, ou quem não?, vivo falhando), não sei bem como explicar — fato é que desconfiei que Reveal cairia nesta vala, que assim formulada não existia ainda em minha mente na última vez em que o escutei, há muito tempo. Escutei-o, enfim, e confirmei. É um disco que irradia um sol sem graça de fim de tarde, que parece apontar para o fim de alguma coisa, um cansaço, um tédio; algumas de suas faixas me deram até mesmo a impressão de que meu aparelho de CD estava com algum problema, tal a estranheza de seus andamentos, a falta de vida. Tudo meio anódino mas também preguiçosamente sedativo. Fica claro também que a banda percebeu, em algum momento durante as gravações, que se tratava de um trabalho meio indigno de sua discografia, e para tentar melhorá-lo um pouco resolveu inocular efeitos diversos e sons suplementares em quase todas as suas faixas, talvez os restolhos que não couberam em Up três anos antes, o que acabou apenas por uniformizar a insuficiência geral do álbum… E angariar ainda mais desta minha estranha simpatia. Sim, é um disco ruim, e sim, acho que gosto dele. Temos afinidades. Não devo mais passar tanto tempo assim sem o escutar.
1: É evidente que isso foi escrito antes do dia 8 de janeiro e antes da revelação da situação dos ianomâmis. Mas vou deixar assim mesmo escrito. Quem sabe a vergonha da minha inocência e da minha ingenuidade me sirvam como penitência por estes pecados. ↩
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