Dying Days
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Discos do mês - Janeiro de 2025

Fabricio C. Boppré |
Discos do mês - Janeiro de 2025

Crédito(s): Finlândia em foto de autor desconhecido, copiada daqui.

Mad Season - Above

Wake Up, a faixa que abre o disco único do Mad Season, faz parte de um seleto grupo de 10 ou 15 que costumam frequentemente tocar sozinhas em minha cabeça, como que vindas do nada, em momentos aleatórios. (É só comigo que acontece isso? Espero que não.) É aquela introdução de baixo, compassada e vagarosa, quase que se apagando: aqueles poucos e hipnóticos segundos, desde que os escutei pela primeira vez, encontraram tão perfeita ressonância com alguma particularidade do meu sistema neurológico que ali eles resolveram se abrigar em definitivo, emergindo vez ou outra em meus pensamentos sem que nada externo tenha me levado a isso, ou pelo menos nada consciente, ou pelo menos assim me parece. O que vem na sequência das notas de abertura não diminui a canção, pelo contrário: cada palavra pronunciada por Layne Staley é de arrepiar, cada entonação parece ser seu melhor momento como cantor, e cada segundo de Wake Up, no fim das contas, é sublime. Sem denegrir a banda, Wake Up soa até destacada daquela época e daqueles artistas, como que feita da matéria básica que costuma conferir perenidade aos gênios, e poderia constar, com algumas diferenças instrumentais, em um disco de Miles Davis (algo me remete ao tom do Kind of Blue), ou do Doors (Ray Manzarek perceberia a majestade da canção e reduziria a participação de seu teclado ao mínimo) ou do Led Zeppelin (quando Robert Plant cantasse "for little peace from God you plead" o estrondo por trás seria mais espetacular). Outras faixas justificam o prestígio deste álbum, mas Wake Up habita outra esfera. O curioso é que, apesar desta minha intimidade toda com Above, é bem raro eu o retirar da estante para escutá-lo de fato. Mas em janeiro o fiz algumas vezes, e decidi que a partir de agora o farei mais amiúde.

Joona Toivanen Trio - Gravity

Este disco acaba de inaugurar minha lista de melhores álbuns de 2025, e não me espantarei se, daqui a onze meses, ele ainda estiver por lá. O jazz da Europa do norte, conforme propagado principalmente pelo selo alemão ECM, não costuma me interessar muito: tenho a impressão de que existe em torno dele uma economia meio forçada (não dá de chamar de hype ou moda, dado se tratar de um nicho), baseada mais em aparências — a mística da penumbra nevada finlandesa, das paisagens suecas minimalistas exibidas nas capas dos álbuns etc. — do que em demanda genuína por uma música que, ao fim e ao cabo, pouco entrega em termos daquilo que vai prometido nesta aura nórdica e suas imagens. Em resumo: algo dirigido, artificial. Mas pode ser má-vontade minha; pode ser que signifique alguma coisa o fato de que eu, adolescente, brigava com os amigos no colégio dizendo que Rocky era um filme racista pois mostrava um boxeador branco triunfando entre os negros, que sempre foram os campeões... Enfim, concedo que este Gravity é excepcional, com muitos elementos sonoros que me atraem: o piano é abafado, introspectivo; o contrabaixo se parece com as batidas de um coração descompassado, procurando por um caminho e uma paz; o clima é invernal, recolhido, com tumultos pontuais, pois se a vida fosse só recolhimento e tranquilidade a gente nem saberia então o que é recolhimento e tranquilidade. Se o jazz nórdico fosse sempre assim, eu gostava mais. Os mestres continuam sendo os americanos e os poloneses (que não são negros, mas definitivamente não são escandinavos), mas Joona Toivanen — que não é uma mulher, é um finlandês que se parece muito com o pianista escocês Steve Osborne — ganhou meu respeito e admiração e vou tentar escutar aos seus outros discos.

Godflesh - Purge

Eu pretendia continuar e intensificar um movimento que começou naturalmente em fins do ano passado, o de variar mais minha dieta musical e escutar menos metal. Aparentemente, esqueci de combinar isso com o metal. Pois em meados de janeiro ele voltou a se infiltrar em minha vida, insidioso, as capas dos discos se avolumando diante de mim, exigindo atenção. Cedi. Tudo bem, acho que estou seguro em minha posição de adulto funcional (mais ou menos) a despeito do gosto por este tipo de música primitiva, em muitos casos totalmente infantil. Porém é de se pensar o caso específico do Godflesh, uma banda que até bem pouco tempo atrás eu decididamente não gostava e me sentia mal ouvindo, sentia-me como que atravessando uma sessão de tortura nos escombros de uma cidade arruinada. Aos poucos, contudo, a visão de Justin Broadrick (que esteve no Napalm Death e está também no Jesu, duas outras bandas que adoro) começou a me atrair, passei a apreciar aspectos da atmosfera opressiva e claustrofóbica de seus discos, a produção que cria algo que vai além do som, um ambiente que quase se pode tocar com as mãos. Que empurraríamos para longe, se fosse realmente o caso, mas sendo apenas som, é um prazer (talvez mórbido, talvez sádico) que pouquíssimas outras bandas sabem propiciar. É inofensivo, desde que você mantenha o volume em níveis médios. E não escute muito repetidamente. E não tenha tendências suicidas.

Comentários:

Juarez Rodrigues | 05/02/2025

Wow. Eu frequentava esse side em 2004. Nunca imaginaria que ainda existisse hj em dia. Vcs me mostraram as bandas que eu mais gosto até hoje. Obrigado por tudo.

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