Dying Days
Seu browser está com uso de JavaScript desativado. Algumas opções de navegação neste site não irão funcionar por conta disso.

Discos do mês - Julho de 2021

Fabricio C. Boppré |
Discos do mês - Julho de 2021

Steve Hiett - Down on the Road by the Beach

Este disco é minha atual obsessão. Down on the Road by the Beach é pura atmosfera: uma espécie de destilação de Beach Boys movendo-se languidamente por entre ecos e ressonâncias, vaporosa e nostálgica. Uma ambiência tão envolvente e acolhedora que não foram poucas as manhãs, nas últimas semanas, em que acordei e fiz tudo meio que correndo — café da manhã, meter as roupas, um alongamento breve e provavelmente inútil — para poder colocar logo os fones de ouvido e mergulhar novamente nela. Ninguém me parece gênio aqui, nem instrumentistas e nem compositores (Hiett, embora seja o artista principal, contou com diversos colaboradores na criação do álbum), de modo que não devo errar feio e nem tirar injustamente o mérito de ninguém ao apontar a produção precisa e ricamente texturizada como a grande qualidade de Down on the Road by the Beach. Escute, por exemplo, o som destas guitarras: dá vontade de erguer as mãos para apalpá-lo com os dedos. A história por trás do álbum parece ser também bastante rica: foi lançado inicialmente apenas no Japão, virou item de colecionador e Santo Graal das listas de compras de muitos aficcionados mundo afora; teve reedição, onde se pedia que suas faixas não fossem convertidas em arquivos digitais; por fim foi lançado no bandcamp, que pede US$ 44 pela versão em vinil e US$ 666 pela digital. É um disco especial de diversos modos, como pode-se perceber. Ninguém nem sabe direito como catalogá-lo: vejam que lá no discogs ele consta sob os rótulos "Electronic", “Jazz", “Blues”, “Ambient" e “Synth-pop”. E é um pouco disso tudo mesmo. Blues onírico e entorpecente que transporta o ouvinte diretamente para dentro daquele filme ambientado na beira da praia que o David Lynch ainda vai escrever e dirigir.

Kate Bush - Aerial

Esse disco é lindo desde a capa, que não é o que parece. Kate Bush está na seletíssima liga de artistas cuja música é um gênero por si só: no seu caso, uma espécie de fabulação multi-sensorial que sempre traz consigo todo um universo de detalhes e imagens, que transitam naturalmente entre o hiper-realista e o surreal e estimulam intensamente a imaginação. Na época em que foi lançado, contudo, alguns críticos consideraram Aerial um trabalho indigno do gênero e da artista Kate Bush. Uns bocós, evidentemente. Tendo sido lançado quase trinta anos após a estréia fonográfica de Bush (com The Kick Inside, em 1978), é natural que os temas e cenários de Aerial sejam um pouco menos delirantes e fantásticos do que aqueles pintados em suas obras da juventude… E, ainda assim, não só o disco é excepcional como eu diria até que é um de seus melhores. Desconfio que o que atordoou muita gente é descobrir a possibilidade de uma linda e comovente canção sobre fazer faxina.

Julianna Barwick - The Magic Place

Julianna Barwick tem alguma coisa de herdeira de Kate Bush: sua música sempre me faz imaginar alguém cuja infância foi passada em algum vilarejo remoto e congelado no tempo, e cujas companhias mais frequentes, ao invés das habituais crianças da mesma idade, foram desde cedo os livros e os animais. Os fundos de sua grande casa vitoriana (continuando minha fantasia) davam direto em uma floresta, e por lá a pequena Julianna costumava perambular sem medo diariamente, visitando seus refúgios secretos, criando mitologias para as árvores e os animais e aprendendo a escutar os sons das coisas que para a maioria das outras pessoas sequer emitem sons. A música que ela agora adulta cria parece repleta destas experiências e memórias: é uivante e misteriosa, cheia de sombras e luzes filtradas que pacientemente se entrelaçam e se replicam, um espaço sonoro que não é — suponho que para a grande maioria de nós não o seja — imediatamente acolhedor. Como uma floresta, afinal de contas. Então por que, se não é exatamente uma zona de conforto e descanso, sentimos vontade de voltar a ela repetidas vezes? A primeira e óbvia hipótese é que florestas, embora ainda bastante vivas e presentes em nossa cultura, vão se tornando algo cada vez mais raro e inacessível, empenhados que estamos em transformá-las em pastos e hidrelétricas. Ou seja, é a nossa incipiente nostalgia pela natureza. Outra hipótese, esta um pouco mais especulativa e poética: na floresta de sua infância, Julianna acostumou-se a conviver não apenas com árvores e corujas, mas também com os duendes e as fadas que tinham o hábito travesso de, das páginas de seus livros, transportarem-se vez ou outra para as margens dos riachos e para os nichos dos troncos das árvores… Talvez a presença destes seres fantásticos na música de Julianna Barwick seja intuída pela criança que todos fomos algum dia; é a lembrança da imaginação ilimitada que já tivemos e cuja liberdade aprendemos pouco a pouco a cercear e a adestrar, e todos nós, quando adultos, em algum momento acabamos por nos perguntar qual foi afinal o benefício disso.

Comentários:

Não há nenhum comentário.

(Não é mais possível adicionar comentários neste post.)