Discos do mês - Outubro de 2023
Fabricio C. Boppré |Imagem principal:

Crédito(s): cena do filme Near Dark, imagem copiada daqui.
Texto:
Ulver - Scary Muzak
A capa deste disco é indesculpável, mas o apelo do selo Ulver de excentricidade é mais forte. Permeado pelo espírito das trilha-sonoras do John Carpenter (e, de fato, alguns temas originais de Carpenter são homenageados por aqui), Scary Muzak já está incorporado às tradições que mantemos para a temporada de Halloween aqui em casa, tanto quanto os discos do King Diamond, os filmes do Vincent Price e a noite do goulash, receita húngara que sempre fazemos em outubro e dedicamos à memória de Bela Lugosi. Ulver é um enigma para mim; percebam que escrevi “selo de excentricidade” aí em cima, e não o tradicional “de qualidade”, uma vez que nem tudo que escuto deles me agrada. Um tanto de seus discos, na verdade, me soam como que oportunistas… É como se fossem artistas performáticos, periodicamente experimentando e assumindo diferentes personas, a música um mero subproduto refém destas metamorfoses. Tipo a Madonna. Fico muito desconfiado disso, mas deste Scary Muzak eu gosto bastante, sem reservas.
SQÜRL - Silver Haze
E o disco do SQÜRL, cuja antecipação eu mencionava em abril, me decepcionou um bocadinho. O problema é que algumas faixas parecem extraídas quase ipsis litteris do manual de praxes e esoterismos do Sunn O))) e do Earth, e isso me distrai o tempo todo da experiência da música, cuja derivação de outros artistas por si só não é (não acho) algo condenável, porém espera-se sempre algum toque pessoal, alguma nuance de releitura, algum escrúpulo. Aqui, ao invés disso, tais faixas soam como se fossem projetos finais de dedicadíssimos alunos de um curso universitário sobre como emular os citados baluartes da música sombria. A faixa She Don't Wanna Talk About It, por exemplo, é cópia sem pudores de algo que eu já escutei anteriormente em outro lugar, acho que em um disco mais recente do Earth. Mas Silver Haze não é um erro completo. Os acertos justificam, se não todo o resultado, ao menos a tentativa. A faixa que o encerra (e que lhe empresta o título) é fantástica. Eu não me importaria se Jarmusch e seu parceiro Carter Logan tivessem feito dela o álbum inteiro, alongando-a por todas as direções, ora diluindo, ora saturando, uma hora e pouco de sublime poeira elétrica. O resultado certamente inscreveria-se em minha lista dos melhores discos de 2023.
Víkingur Ólafsson - From Afar
Espero que ninguém esteja me lendo pois vou confessar um preconceito: desgosto de pessoas excessivamente arrumadas, limpas e alinhadas. Eu poderia me justificar dizendo que de tão aplicadas em retocar suas aparências essas pessoas acabam se parecendo artificiais, como se fossem bonecos ou robôs, mas provavelmente é só inveja minha mesmo, inveja de quem tem tempo para ficar tanto tempo diante de um espelho, enquanto eu — brasileiro médio com todos os problemas dos brasileiros médios e mais uns tantos outros pessoais — estou sempre muito atarefado e cansado e isto certamente se reflete em minha aparência. Não é que eu goste de desleixo, mas o desleixo ultimamente me procura com insistência. Vejam como se apresenta o pianista islandês Víkingur Ólafsson na capa deste disco: o rapaz alguma vez teve barba na cara? Aquilo é um cabelo ou algo projetado e implantado em sua cabeça? Os óculos, as roupas — acessórios de quem decerto folheia revistas de moda e viaja periodicamente à Milão para renovar seu guarda-roupas. Sujeitos assim moram em Viena, em Oslo, compram sapatos de bico fino. Malditos. Feita a confissão, agora o merecido elogio: que lindíssimo disco este seu From Afar. Não sei dizer se Ólafsson está acima da média em termos de competência técnica, ou pelo menos não é o que transparece aqui; o que transparece cristalinamente é a argúcia na escolha do repertório e a atmosfera acolhedora de início de primavera no alvorecer do mundo. O toque de Ólafsson é sereno, gentil, espaçado; sua apresentação, um convite à respiração e à meditação. A maestria está, portanto, na formatação da obra, no quadro geral que ela vai pintando descansadamente de faixa à faixa, nota à nota. Ao contrário dessa virtude da minúcia quando aplicada às roupas e aos cabelos, na música eu a aprecio muito.
Tangerine Dream - Near Dark Soundtrack
Isso me acontece com relativa frequência: assistir a um filme e não achá-lo grande coisa, e então, passado um tempo, revê-lo e achar ótimo. Um dos meus filmes favoritos, Local Hero (mencionado aqui), fez este percurso; Near Dark, que revi uns dias atrás, não creio que chegará algum dia a figurar entre meus prediletos, mas também ele me pareceu muito melhor do que a lembrança que eu guardava da primeira ocasião em que o assisti. Se isso significa que meu cérebro e meus gostos e minha própria personalidade estão ainda em desenvolvimento, fico satisfeito, afinal, não me vejo pronto ainda para assentar-me sobre os louros da minha grande derrota. O filme agora penso que é muito bom, mas algo me incomodava enquanto o assistia: o uso muito estranho que é feito da música do Tangerine Dream. Ela está quase que o tempo todo lá, soando ao fundo da ação: mesmo quando não deveria haver música alguma, lá está ela, baixinha, intrusa; quando devia ressoar em alto e bom som, ela não muda, permanece baixinha, sumida, como se não fosse digna do filme. Creio que faltou dinheiro para pagar o especialista no controle do botão de volume… Sorte que a trilha-sonora foi lançada em disco, podemos ouvi-la em casa e no volume adequado a qualquer momento. Dizer que é ótima é redundante: mesmo sendo o Tangerine Dream no piloto automático de tantas outras trilhas-sonoras desta mesma época, é excelente.
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