História resumida de uma paixão
Fabricio C. Boppré |Imagem principal:

Crédito(s): Foto copiada daqui.
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Tenho escutado muito Midnight Oil. Várias vezes ao dia, e por dias a fio. Por um motivo em particular que já explicarei, ainda que nem precisasse de motivo particular algum: trata-se, afinal, da minha banda de rock ’n’ roll mais querida de todas — é a minha banda. Quem cultiva o esquisito hábito de me ler por aqui talvez já tenho me visto dizer o mesmo, em outras épocas, a respeito do Jane’s Addiction ou do R.E.M.; do Pearl Jam ou do Smashing Pumpkins. Mas é o Midnight Oil, senhoras e senhores, digo-lhes agora e em definitivo (se é que já não o disse antes — nesse caso, perdoem-me a repetição, a memória já não é mais a mesma). Foi a primeira banda por quem me apaixonei de verdade, quando não estávamos ainda sequer na última década do século passado: eram os tempos das rádios e das fitas cassetes, e muitos dos meus primeiros ídolos nascidos naquele alvorecer da consciência musical eu os adoro até hoje — são os casos do Gun N’ Roses, do a-ha e do Dire Straits, para citar apenas alguns. Mas com o Midnight Oil — que junto com o Spy Vs. Spy, o Australian Crawl e o Men at Work formavam uma espécie de pelotão de australianos intrusos no circuito do rock europeu e norte-americano — com o Oil a coisa logo tornou-se mais séria, mais próxima ao coração. Havia algumas razões para isso logo de saída, e outras foram se juntando ao longo do caminho: 1) o engajamento (ou “atitude”, como gostávamos de dizer naqueles dias) da banda, que deixa ainda hoje seus fãs justificadamente orgulhosos, e seus temas favoritos — o mar, a natureza, a vida ao ar livre e a consciência básica de que fazemos parte indissociável desse ambiente natural —, coisas que também sempre me foram caras e fazem parte da minha vida; 2) The Dead Heart, uma música que carrega consigo uma carga tão transbordante de memórias que nem vou começar a desfiá-las aqui pois isso acabaria com qualquer chance que tenho de conseguir dizer o que pretendo dizer neste texto, e depois 3) Scream in Blue, o disco ao vivo lançado em 1992 e um dos meus primeiros CDs, e que ainda hoje, passados 27 anos de sua aquisição, raramente passo uma semana inteira sem voltar a ele pelo menos uma vez, e depois 4) Breathe, sobre o qual posso dizer exatamente o mesmo que foi dito sobre o Scream in Blue, apenas atualizando os cálculos para o ano em que foi lançado e adquirido, 1996. Estes dois discos, Scream in Blue e Breathe, ocupam lugares especiais no panteão dos meus discos preferidos: foram, entre muitos outros mas frequentemente eles, as trilhas-sonoras de muitos dos melhores (e também de alguns dos piores) momentos da minha juventude. Por último, passarei direto por sobre a estranheza de dizer “a minha juventude” assim desse modo pretérito para registrar que o show que o Oil fez em Florianópolis em 1997 foi o meu primeiro grande show de rock de verdade, a primeira vez em que eu assisti ao vivo uma banda de quem eu era fã — e não apenas fã, como estou aqui tentando explicar —, o que também foi muito marcante e memorável. Estes foram alguns dos capítulos mais importantes na construção da minha intensa relação com este australianos, hoje todos senhores de mais de 60 anos de idade, que lá por volta de 2002 — justo no momento em que andávamos mais distanciados, eu e eles, um único e breve momento de caminhos divergentes —, resolveram dar um descanso ao Midnight Oil e partir para carreiras solos, turnês menores, vida em família, essas coisas. Peter Garrett, o vocalista-ativista e, com a devida licença para utilizar uma expressão em inglês que adoro, figura genuinamente larger than life, arriscou quase tudo e atuou na arena política de seu país servindo como ministro do meio ambiente por alguns anos, e escreveu também um livro de memórias que estou prestes a começar a ler. E então, finalmente, chegamos ao tempo presente. Eu escrevi lá no começo que havia um motivo em particular para a overdose Midnight Oil que tenho vivido nestes últimos dias, e ele começa em meados de 2016, quando a banda anunciou estar reunindo-se para uma turnê mundial; o rolê pelo planeta — este lugar tão diferente e piorado em relação àquele de quando o Oil retirou-se dos palcos em 2002 — foi intitulado The Great Circle 2017 World Tour e rendeu uma passagem por Curitiba em abril daquele ano. O show, para o qual embarcamos numa rápida road trip eu e um amigo já que dessa vez ninguém na belíssima e provincianíssima Ilha de Santa Catarina teve a brilhante idéia (ou dinheiro suficiente) de contratar a banda para uma apresentação, o que teria sido tão óbvio e natural haja visto o que era Florianópolis nos anos 90, ou ao menos o que as minhas reminiscências e a minha experiência pessoal me informam que era a ilha naquela época — o show em Curitiba foi bom, mas o ambiente (era um teatro) e o público (juro que vi uma moça usando um casaco de pele!) amarraram a noite ao estágio mínimo do quão boa ela poderia ser, e a banda, visivelmente, estava ciente disso. Garrett bateu palmas irônicas ao público que, ao soar das notas iniciais do primeiro hit radiofônico da noite (The Dead Heart, se não me engano), enfim levantou-se de suas poltronas como se estivesse num, oras, onde de fato estavam, um show de rock ’n’ roll. Foi ótimo, de todo modo, revê-los 20 anos depois, um pouco mais enrugados e talvez um pouco mais calmos (esta última parte não se aplica à Garrett), porém indubitavelmente a mesma banda, movida ainda pelas mesmas crenças e questionamentos, agora tão ou mais urgentes quanto antes. Um parênteses para que eu não seja acusado de ingenuidade excessiva: cifras significativas podem também ter influído na decisão destes cinco senhores de recolocar a banda na estrada, mas prefiro não especular sem saber ao certo, parecendo-me verdadeiramente razoável considerar que se trata de um grupo onde o dinheiro não é o mais determinante de tudo; fecha parênteses. Poucos dias depois de Curitiba, no fim das contas, não deixei de anotar que seria bom revê-los ainda uma vez mais, e eis que, mais cedo do que eu imaginava (também não poderia demorar muito… ), surge a chance: tendo a banda anunciado mais alguns shows pela Europa e pela Austrália, logo descobri que estarei por perto de um deles, em Dublin, em junho próximo. Os ingressos já foram comprados e resta-me agora controlar a ansiedade e a antecipação — estou como uma criança às vésperas do Natal! Já arquitetei uma dúzia de planos: escutar-lhes todos os discos por ordem de lançamento numa espécie de contagem regressiva; reativar a publicação de conteúdo neste velho web-site e escrever uma seção dedicada à banda, com biografia e discografia, como fazíamos antigamente; procurar e ir adquirindo os discos deles que ainda não tenho e quem sabe também alguns singles e EPs, plano que, evidentemente, esbarra em limitações financeiras, mas quem sabe se eu não estipular uma data para terminar… E por aí vai. Por ora, sigo ouvindo, ainda sem maiores métodos ou organização, aos meus discos favoritos da minha banda favorita, como que investido numa nova velha obsessão; um grupo que, é bom saber, faz pleno sentido que ainda exista, mesmo que de forma intermitente, mesmo que depois de tanto tempo. Talvez faça até mais sentido agora do que jamais fez antes.
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