Música eletroacústica, por que não?
Fabricio C. Boppré |Imagem principal:

Crédito(s): Au seuil de la liberté, obra de René Magritte que serviu de inspiração para algumas composições de Steve Moore.
Texto:
Não é exatamente “convidativo" o mundo da música eletroacústica. Não sei bem o que ultimamente tem me atraído a ela: a saudade, talvez, do burburinho das ruas e da cidade (continuo essencialmente em quarentena, saindo de casa apenas para o absolutamente necessário); um interesse maior por texturas sonoras, pelas suas belezas intrínsecas mas também pelas suas justaposições, alongamentos e manipulações; a necessidade mais utilitária, talvez, de adquirir novos meios de abstração e de retiro do mundo... Talvez meramente uma evolução natural do meu gosto — esta sim uma preferência bem estabelecida e de longa data — pela música ambient. Mais provável que seja um pouco disto tudo. O gosto pelo ambient apenas não justificaria, uma vez que as colagens e experimentos da música eletroacústica (ou, como preferem alguns, musique concrète) costumam resultar em sons bem mais ásperos e imprevisíveis do que os gerados pela constância e pelo minimalismo da música ambient. Ambos os gêneros, por outro lado, em comparação ao som musical mais tradicional feito de melodias, estrofes e refrões — o som da música popular, do rock ’n’ roll, etc. — ambos parecem ocupar (pura especulação minha) uma região diferente do cérebro do ouvinte, região que estimula e intensifica as capacidades de abstração, de pensamento concentrado, de sair flutuando por aí etc. Mas não muito mais do que isso elas possuem em comum. E embora pareça existir menos espaço para o encanto e o deslumbramento na música eletroacústica, isto não significa em absoluto que momentos deste tipo não ocorram: nas colagens surrealistas de Steve Moore, por exemplo, há diversas passagens assombrosas, desenlaces imprevistos em metódicas construções feitas de vozes, sinos, máquinas, elementos em sua maioria fortuitos e ordinários (cantos e instrumentos musicais inclusos) gravados nas ruas e outros locais. São sons de uma natureza diferente, onde a sensação de artifício manual — em contraponto ao som desterrado da música ambient — nunca deixa de estar inequivocamente presente, e a música como um todo parece aspirar a um caráter documental, não raro absurdo, mas repleto de simbologias e uma eufonia muito própria. Perguntar-se o que é música, afinal, acaba sendo efeito colateral inevitável destas composições, mas não um que me interesse em particular; que fique claro, em todo o caso, que esta não é menos música do que qualquer outra: aquela mais popular e convencional que conhecemos também é, em última instância, uma coleção arbitrária de sons organizados e dispostos em certa sequência temporal… Que os sons mais rudes e banais da música eletroacústica consigam muitas vezes eludir e deslumbrar o ouvinte apenas comprova que Moore, John Cage, Irv Teibel, Luigi Nono, entre outros, ouviam e captavam o mundo ao redor muito além do que nós, os seres humanos médios, parecemos capacitados a fazer. O material desses caras, afinal, era em grande parte aquilo que ouço vindo da minha janela neste exato instante — e o que ouço vindo da minha janela neste exato instante não parece assim tão interessante.
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